[ANSOL-geral] Mais um disparate sobre pirataria
Carlos Patrão
cpatrao moredata.pt
Terça-Feira, 15 de Maio de 2012 - 11:51:19 WEST
Olá a todos.
Por muito que nos custe, aos tecnólogos, engenheiros, etc, o Direito não
é uma ciência exacta :-(
E em Portugal, por razões culturais, nem sequer é a preto e branco,
havendo demasiadas matizes de cinzento :-)
Abs.
Em 15-05-2012 10:36, Rui Maciel escreveu:
> On 05/15/2012 01:24 AM, Manuel Silva wrote:
>> Olá!
>>
>> Eu não sei quanto aos restantes subscritores desta lista mas:
>> 1. Já percebi perfeitamente as leituras que*cada um* faz da legislação;
>> 2. Para pessoas não especializadas em Direito acho no mínimo
>> presunçoso que
>> afirmem de forma tão contundente o que é "certo" e "errado".
>
> Eu, por minha vez, acho espantoso como alguém acredita que só alguém
> com um título específico é que tem o direito de tecer comentários que
> possam ser considerados "certos", independente do conteúdo ou
> natureza, e que toda a gente que não tem esse título terá de se
> resignar a que todos os comentários que faz, mesmo no caso de serem
> coincidentes com os comentários "certos" feitos por gente com títulos
> autoritários e impressionantes, tenham de ser considerados
> automaticamente como "errados".
>
> É como se fosse decretado que pessoas sem esse título mágico sejam
> completamente incapazes de se informarem sobre um assunto específico
> ou até de pesarem pela própria cabeça, e assim estejam dependentes de
> alguma figura autoritária para lhes ditar o que é certo ou errado, ou
> o que podem ou não pensar.
>
> Mas se o Manuel Silva quiser autoridades, isso também se arranja.
>
> Por exemplo, no seguinte acórdão do tribunal da relação de Coimbra:
>
> http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/a67b13b71f10a3828025786c0049150c?OpenDocument
>
>
> Resumo do essencial:
> - Um tipo, que se ocupava de reparações de computadores, tinha roubado
> um acesso da telepac a um cliente e pôs-se a sacar pilhas de software,
> albums e filmes do emule.
> - O tipo era suspeito de se dedicar à venda de cópias ilegais de
> software, albums e filmes pela net
> - Foi feita uma rusga pela PJ, onde foram apreendidas largas centenas
> de CD-Rs, bem como material usado para gravar CDs e DVDs.
> - Foi também apreendido um catálogo das obras copiadas, com uma lista
> de preços praticados
> - O tipo foi a julgamento por violação da lei do cibercrime e do
> código do direito de autor.
> - O tipo alegou que a lista não era dele, que era a lista de um
> ex-cliente da reparação de computadores. Como alegou que a lista não
> era dele, alegou que todos os CDs que tinha copiado eram para uso
> estritamente pessoal. Por isso, o recurso consistiu em defender que o
> uso seria perfeitamente legítimo pelo código do direito de autor, e
> por isso não devia ser punido por violação do código do direito de autor.
> - Os juízes não acreditaram que o tipo não andava a piratear as obras,
> por isso mantiveram a sentença.
>
> Com certeza uma notícia deste caso seria divulgada aos quatro ventos
> como "cópias para uso pessoal são consideradas ilegais". Mas é bom de
> se ler o fundamento da opinião dos juízes relativos ao uso privado
> não-autorizado de obras protegidas.
>
> Aqui vai:
>
> <citação>
> Esta é, no entanto, uma visão redutora do sistema, que escamoteia a
> necessidade de expressa demonstração da destinação para uso privado
> como condição de licitude da utilização da obra sem autorização do
> autor. É verdade que logo o art. 75º, nº 2, al. a), do CDADC, dispõe
> que “são lícitas, sem o consentimento do autor, as seguintes
> utilizações da obra:
>
> a) A reprodução de obra, para fins exclusivamente privados, em papel
> ou suporte similar, realizada através de qualquer tipo de técnica
> fotográfica ou processo com resultados semelhantes, com excepção das
> partituras, bem como a reprodução em qualquer meio realizada por
> pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais directos ou
> indirectos;”.
>
> Esta referência constante da lei à “reprodução em qualquer meio”
> abrange tanto as cópias digitais como as analógicas, situação que
> ficou clara com a Directiva 2001/29/CE. Seja qual for a técnica
> utilizada, não é questionada a licitude da cópia feita no âmbito do
> uso privado [4]. Por força da norma citada, a reprodução de obra
> protegida efectuada no âmbito do uso privado é lícita,
> independentemente do consentimento do autor da obra ou de quem
> legalmente o represente. Constituindo ainda uma modalidade de
> utilização da obra, o uso privado distingue-se por ter em vista a
> exclusiva satisfação de interesses pessoais de carácter não económico,
> sejam eles de natureza cultural ou recreativa. A lei apenas excepciona
> a reprodução de partituras. E sendo assim, mesmo o download de obra
> protegida por direito de autor não traduz violação desse direito,
> desde que efectuada no âmbito do uso privado, ainda que a obra ou
> prestação venham a ser fixados num suporte destinado a esse efeito,
> como um disco rígido ou um CD-R, não havendo lugar à responsabilização
> criminal ou civil do autor da cópia. Como refere José Alberto Vieira,
> “o direito de autor e os direitos conexos sofrem também a incidência
> da prossecução de políticas públicas de interesse geral, não são
> direitos ilimitados. O uso privado constitui um desses limites” [5].
> Simplesmente, no que tange à cópia, há que ter presente ainda o
> disposto no art. 81º, al. b), que, desenvolvendo o teor do art. 75º,
> nº 4, dispõe ser consentida a reprodução “para uso exclusivamente
> privado, desde que não atinja a exploração normal da obra e não cause
> prejuízo injustificado dos interesses legítimos do autor, não podendo
> ser utilizada para quaisquer fins de comunicação pública ou
> comercialização”. Esta forma de utilização lícita tem que ser
> expresamente demonstrada. A regra é a tutela do direito do autor e a
> necessidade da sua autorização, ou de quem detiver os respectivos
> direitos, para utilização da obra e a licitude da utilização ou
> reprodução sem expressa autorização do autor apenas se afirma com a
> demonstração de que essa utilização ou reprodução se destinou a fim
> exclusivamente privado, sem prejuízo para a exploração normal da obra
> e sem injustificado prejuízo dos interesses legítimos do autor, sendo
> esta tripla conjugação que evidencia a verificação da regra dos três
> passos, decorrente da assimilação dos princípios previstos
> originariamene na Convenção de Berna para a Protecção das Obras
> Literárias e Artísticas, ratificada por Portugal e transposta para o
> direito nacional através da legislação que tutela aquela matéria.
> </citação>
>
> É curiosa a forma como aquilo que foi declarado pelo tribunal da
> relação de Coimbra coincide exactamente com aquilo que eu, que não sou
> advogado, tenho dito. É como eu, apesar de não ser advogado, por acaso
> até não estaria errado.
>
> Mas, lá está, o recurso foi dado como improcedente. E qual a razão?
>
> <citação>
> Não se demonstrando expressamente a verificação daqueles elementos que
> compõem a regra dos três passos – como sucedeu no caso vertente, em
> que se teve expressamente como não provado que as cópias de CD`s e
> DVD`s se destinavam a uso pessoal – subsiste a responsabilidade
> criminal prevista no art. 195º, nº 1, do CDADC [6]. Donde se segue que
> também no que a este aspecto concerne, o recurso se revela improcedente.
> </citação>
>
>
> O Manuel Silva já viu a pontaria de como a opinião de uma pessoa
> não-especializada em direito coincidiu exactamente com a opinião de
> alguém especializado em direito, que seria aquilo que o Manuel Silva
> afirmou como sendo "certo"? É como se fosse possível que alguém que
> não andou em coimbra realmente conseguisse estar certo sobre alguma
> coisinha da lei que o rege.
>
> Há ainda dúvidas ou a opinião de juízes do tribunal da relação de
> Coimbra será agora tida como no mínimo presunçosa?
>
>
> Rui Maciel
>
>
>
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