[ANSOL-geral] Mais um disparate sobre pirataria

Rui Maciel rui.maciel gmail.com
Terça-Feira, 15 de Maio de 2012 - 10:36:48 WEST


On 05/15/2012 01:24 AM, Manuel Silva wrote:
> Olá!
>
> Eu não sei quanto aos restantes subscritores desta lista mas:
> 1. Já percebi perfeitamente as leituras que*cada um*  faz da legislação;
> 2. Para pessoas não especializadas em Direito acho no mínimo presunçoso que
> afirmem de forma tão contundente o que é "certo" e "errado".

Eu, por minha vez, acho espantoso como alguém acredita que só alguém com 
um título específico é que tem o direito de tecer comentários 	que 
possam ser considerados "certos", independente do conteúdo ou natureza, 
e que toda a gente que não tem esse título terá de se resignar a que 
todos os comentários que faz, mesmo no caso de serem coincidentes com os 
comentários "certos" feitos por gente com títulos autoritários e 
impressionantes, tenham de ser considerados automaticamente como 
"errados".

É como se fosse decretado que pessoas sem esse título mágico sejam 
completamente incapazes de se informarem sobre um assunto específico ou 
até de pesarem pela própria cabeça, e assim estejam dependentes de 
alguma figura autoritária para lhes ditar o que é certo ou errado, ou o 
que podem ou não pensar.

Mas se o Manuel Silva quiser autoridades, isso também se arranja.

Por exemplo, no seguinte acórdão do tribunal da relação de Coimbra:

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/a67b13b71f10a3828025786c0049150c?OpenDocument

Resumo do essencial:
- Um tipo, que se ocupava de reparações de computadores, tinha roubado 
um acesso da telepac a um cliente e pôs-se a sacar pilhas de software, 
albums e filmes do emule.
- O tipo era suspeito de se dedicar à venda de cópias ilegais de 
software, albums e filmes pela net
- Foi feita uma rusga pela PJ, onde foram apreendidas largas centenas de 
CD-Rs, bem como material usado para gravar CDs e DVDs.
- Foi também apreendido um catálogo das obras copiadas, com uma lista de 
preços praticados
- O tipo foi a julgamento por violação da lei do cibercrime e do código 
do direito de autor.
- O tipo alegou que a lista não era dele, que era a lista de um 
ex-cliente da reparação de computadores.  Como alegou que a lista não 
era dele, alegou que todos os CDs que tinha copiado eram para uso 
estritamente pessoal.  Por isso, o recurso consistiu em defender que o 
uso seria perfeitamente legítimo pelo código do direito de autor, e por 
isso não devia ser punido por violação do código do direito de autor.
- Os juízes não acreditaram que o tipo não andava a piratear as obras, 
por isso mantiveram a sentença.

Com certeza uma notícia deste caso seria divulgada aos quatro ventos 
como "cópias para uso pessoal são consideradas ilegais".  Mas é bom de 
se ler o fundamento da opinião dos juízes relativos ao uso privado 
não-autorizado de obras protegidas.

Aqui vai:

<citação>
Esta é, no entanto, uma visão redutora do sistema, que escamoteia a 
necessidade de expressa demonstração da destinação para uso privado como 
condição de licitude da utilização da obra sem autorização do autor. É 
verdade que logo o art. 75º, nº 2, al. a), do CDADC, dispõe que “são 
lícitas, sem o consentimento do autor, as seguintes utilizações da obra:

a) A reprodução de obra, para fins exclusivamente privados, em papel ou 
suporte similar, realizada através de qualquer tipo de técnica 
fotográfica ou processo com resultados semelhantes, com excepção das 
partituras, bem como a reprodução em qualquer meio realizada por pessoa 
singular para uso privado e sem fins comerciais directos ou indirectos;”.

             Esta referência constante da lei à “reprodução em qualquer 
meio” abrange tanto as cópias digitais como as analógicas, situação que 
ficou clara com a Directiva 2001/29/CE. Seja qual for a técnica 
utilizada, não é questionada a licitude da cópia feita no âmbito do uso 
privado [4]. Por força da norma citada, a reprodução de obra protegida 
efectuada no âmbito do uso privado é lícita, independentemente do 
consentimento do autor da obra ou de quem legalmente o represente. 
Constituindo ainda uma modalidade de utilização da obra, o uso privado 
distingue-se por ter em vista a exclusiva satisfação de interesses 
pessoais de carácter não económico, sejam eles de natureza cultural ou 
recreativa. A lei apenas excepciona a reprodução de partituras. E sendo 
assim, mesmo o download de obra protegida por direito de autor não 
traduz violação desse direito, desde que efectuada no âmbito do uso 
privado, ainda que a obra ou prestação venham a ser fixados num suporte 
destinado a esse efeito, como um disco rígido ou um CD-R, não havendo 
lugar à responsabilização criminal ou civil do autor da cópia. Como 
refere José Alberto Vieira, “o direito de autor e os direitos conexos 
sofrem também a incidência da prossecução de políticas públicas de 
interesse geral, não são direitos ilimitados. O uso privado constitui um 
desses limites” [5]. Simplesmente, no que tange à cópia, há que ter 
presente ainda o disposto no art. 81º, al. b), que, desenvolvendo o teor 
do art. 75º, nº 4, dispõe ser consentida a reprodução “para uso 
exclusivamente privado, desde que não atinja a exploração normal da obra 
e não cause prejuízo injustificado dos interesses legítimos do autor, 
não podendo ser utilizada para quaisquer fins de comunicação pública ou 
comercialização”. Esta forma de utilização lícita tem que ser 
expresamente demonstrada. A regra é a tutela do direito do autor e a 
necessidade da sua autorização, ou de quem detiver os respectivos 
direitos, para utilização da obra e a licitude da utilização ou 
reprodução sem expressa autorização do autor apenas se afirma com a 
demonstração de que essa utilização ou reprodução se destinou a fim 
exclusivamente privado, sem prejuízo para a exploração normal da obra e 
sem injustificado prejuízo dos interesses legítimos do autor, sendo esta 
tripla conjugação que evidencia a verificação da regra dos três passos, 
decorrente da assimilação dos princípios previstos originariamene na 
Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas, 
ratificada por Portugal e transposta para o direito nacional através da 
legislação que tutela aquela matéria.
</citação>

É curiosa a forma como aquilo que foi declarado pelo tribunal da relação 
de Coimbra coincide exactamente com aquilo que eu, que não sou advogado, 
tenho dito.  É como eu, apesar de não ser advogado, por acaso até não 
estaria errado.

Mas, lá está, o recurso foi dado como improcedente.  E qual a razão?

<citação>
Não se demonstrando expressamente a verificação daqueles elementos que 
compõem a regra dos três passos – como sucedeu no caso vertente, em que 
se teve expressamente como não provado que as cópias de CD`s e DVD`s se 
destinavam a uso pessoal – subsiste a responsabilidade criminal prevista 
no art. 195º, nº 1, do CDADC [6]. Donde se segue que também no que a 
este aspecto concerne, o recurso se revela improcedente.
</citação>


O Manuel Silva já viu a pontaria de como a opinião de uma pessoa 
não-especializada em direito coincidiu exactamente com a opinião de 
alguém especializado em direito, que seria aquilo que o Manuel Silva 
afirmou como sendo "certo"?  É como se fosse possível que alguém que não 
andou em coimbra realmente conseguisse estar certo sobre alguma coisinha 
da lei que o rege.

Há ainda dúvidas ou a opinião de juízes do tribunal da relação de 
Coimbra será agora tida como no mínimo presunçosa?


Rui Maciel



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