[ANSOL-geral] Re: Digest Ansol-geral, volume 43, assunto 21

J M Cerqueira Esteves jmce artenumerica.com
Terça-Feira, 19 de Junho de 2007 - 11:55:14 WEST


Carlos Patrão wrote:
> Sem querer desvalorizar as questões da educação, eu gostaria de
> testemunhar que conheço pessoas com muito mais educação que eu, do ponto
> de vista formal e prático, e que são info-excluidas, ou seja, não têm
> computador nem ligação à Net,

E isso, só por si, é um problema?  Essa é que é a info-exclusão?  Ou só
é um problema se o estado obrigar o cidadão a tratar das relações com o
estado exclusivamente via Internet, fomentando o sucessor do senhor que
preenchia os formulários a troco de dinheiro à porta do arquivo de
identificação por meninos e meninas que preencham formulários na
Internet a troco de dinheiro nalgum eventual gabinete de "serviços para
info-excluídos"?

Essa deslocação de serviços --- especialmente quando obrigatória -- para
a Internet, convirá mais ao cidadão ou à máquina do estado?

Por mais reconhecimento que eu tenha pela Internet (e sempre vontade de
aconselhar o acesso a quem não o experimentou): quem se está a portar
"mal" se um cidadão for prejudicado na *relação com o estado* por
escolher, deliberadamente, não ter computador, não ter acesso à
Internet, não ter telemóvel, não usar caixas automáticas nos bancos?
Será esse um mau cidadão, um cidadão em situação "deficiente"?
Ou será, mais incomodamente para algum do lobbying info-inclusivo,
apenas um "mau consumidor" a estorvar negócio?

Assim de repente, lembro-me de outras coisas que também me combateram
"info-exclusão", ainda antes do acesso Internet e nascido numa família
praticamente sem livros:
- alguns bons professores (e alguns dos melhores sem terem passado
por calamitosas "vias de ensino" e formações pedagogistas);
- a biblioteca, de prateleiras abertas, do Instituto Britânico, e a
professora de Inglês que um dia lá levou algumas turmas;
- uma TV pública que até algum teatro ainda passava, até algum
Shakespeare de vez em quando (sim, podia-se descobrir gostar de
Shakespeare simplesmente assim) antes de estar completo o carpet bombing
com concursos em prime time e mais sucedâneos de programação --- do
"Acontece" ao "2010" ao "Só visto", basicamente o mesmo tipo de
meta-programa promocional e vazio, apesar das poses mais ou menos
refinadas: em vez de dar espectáculo, cultura e ciência, faz-se coluna
social, tráfico de protagonismos das ditas e... publicidade disfarçada;
- uma rádio um pouco melhor que agora raramente se encontra... fora da
Internet.

> e algumas até possuêm conhecimentos de
> informática na optica do utilizador, o que as limita bastante,
> nomeadamente de se auto-sustentarem,

?

> este problema prende-se com o
> empobrecimento progressivo da nossa classe média.

... problema que o chamado combate à info-exclusão resolve como?

Constou-me que o precoce ensino inglês socraticamente proposto tinha um
peso educativo irrelevante, embora eu não tenha sabido pormenores.
Mas ensinar inglês a sério ajudaria o cidadão a saír das fronteiras dos
'conteúdos' nacionais, que em mais combate à info-exclusão já numa
encarnação anterior de ministro o Mariano Gago sdizia ir multiplicar
(por 10? por 100?) com um ministerial estalar de dedos e dumping de
subsídios --- frequentemente resumindo-se depois apenas, na face
publicamente exposta na Internet, a mais folheto institucional, porque
os goodies de 'conteúdo'  autênticos, mesmo os sustentados pelo estado
(desde a arte no Museu Nacional de Arte Antiga aos dados cartográficos e
meteorológicos e até, por muito tempo, à legislação que somos obrigados
a conhecer) esses não se pode deixar em acesso indiscriminado e com
licença livre na Internet: há que proteger, para começar, a "propriedade
intelectual" dos artistas mortos ou receber mais uns trocos para
alegadamente pagar o funcionamento.  E claro que seria naturalmente
"chocante" alguém depois lucrar com reutilização de conteúdos públicos
de licença livre --- o lucro privado com recursos públicos só "fica bem"
quando em regime de exclusividade ou "parceria de prestígio" acertados
com a instituição que zela pelos dados e pela respectiva escassez
artificial, não os divulgando para leitura pública nem com licença de
reutilização livre nem sem ela.  "Caro cidadão, vá comprar ali na loja
dos nossos parceiros de prestígio."

>> E os responsáveis estatais pelas decisões do "combate", estão
>> info-incluídos?
>>   
> Com esses não me preocupo, porque estão bem na vida.

Com esses preocupo-me, porque estão bem em cheio na condução da nossa
vida.  Serem pobres de espírito e/ou de aprendizagem e/ou de ética
prejudica-nos muito mais do que (por via legítima ou não) serem
eventualmente ricos de conta bancária.

> Da minha parte não há qualquer cerimonial, eu preocupo-me genuinamente
> com os problemas da desigualdade social, a info-exclusão é só uma parte
> do gigantesco problema de termos 2 milhões de pobres.

Tendo em conta que os recursos não são infinitos, o dinheiro a cargo do
estado que é enterrado em e-planos incosequentes em nome da
info-inclusão, estará a *não* ir para onde em gastos públicos?
E não será que se confunde boa parte do combate info-inclusão com o
proverbial "ensinar a pescar" mesmo quando parece mais a oferta de
sardinhas?

Educar dava realmente jeito, mas torna-se mais complicado quando:

- quanto aos professores, se confunde o slogan "trabalho igual / salário
igual" com a interpretação mais frequente de "emprego igual / salário
igual"; muitos lá vão *trabalhando* mais sem serem por isso mais bem
remunerados, enquanto vêem o colega despreocupado e que não "chumba" ter
menos chatices e ganhar o meso (ou mais), mas não me admiro se cada vez
mais os melhores se fartarem e irem para pastos mais verdes, se conseguirem;

- quanto aos alunos, se confunde "igualdade de oportunidades à partida"
com "igualdade de sucessos à chegada" alterando a métrica tantas vezes
quanto necessário para satisfazer pais e alunos iludidos sobre sucesso
(até ao reality check futuro) e para pintar boa imagem de sucesso da
máquina educativa.

TTFN
                                   jm



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