[ANSOL-geral][Fwd: Re: informacoes sobre software livre]

Vasco Figueira figueira arroba europe.com
Sat, 16 Mar 2002 02:31:05 +0000


Viva,

Às 16:17 pingou na minha mailbox um email do Dr. Diogo de Vasconcelos ao 
qual respondi. Segue aqui a minha resposta e o mail dele.

A minha foi mais longa mas mais informal que a do João Neves. Tentei ser 
o mais "próximo" da maneira de pensar dele.

-------- Original Message --------
Subject: Re: informacoes sobre software livre
Date: Sat, 16 Mar 2002 02:12:39 +0000
From: Vasco Figueira <figueira arroba europe.com>
To: Diogo Vasconcelos <dvasconcelos arroba ideiasenegocios.com>
References: <009401c1cc3c$d63fe420$9402a8c0 arroba porto.cv>

Viva Diogo,

Diogo Vasconcelos wrote:
 > Vi o seu artigo sobre a sessção da APDSI em
 > http://www.gildot.org/article.pl?sid=02/03/13/1552228&mode=nes

Ah, esse ficou muito fraquinho... Eu não estava à espera de ter de o
fazer e não tomei as devidas notas durante o debate, de modo que a coisa
foi muito "de cabeça". Mas, pronto, aquilo é um fórum informal, no fim
de contas.

 > A partir de Abril, assumirei o meu lugar de deputado na AR, onde irei
 > dedicar-me às questões das TI e SI, pelo que este é um tema que merece
 > atenção, acerca do qual quero naturalmente aprender.

Óptimo. Então vamos a isso.

Vou assumir que estamos a falar à vontade, dispensando portanto alguns
formalismos. Espero que não haja problema. Vou igualmente assumir que
está predominantemente interessado nas questões políticas, nas
características relevantes politicamente, e não nas questões técnicas.

Vou assumir que o GNU/Linux é tecnicamente equivalente ou superior às
suas alternativas, não descrevendo pormenores técnicos sem que sejam
realmente necessários. Se não falar nos pormenores técnicos são logo
umas quantas páginas que se poupam. :-)

Esta coisa do software livre pode parecer um fenómeno recente, mas vem
de há mais de vinte anos. Começou com o Richard Stallman no início dos
anos 80. Hoje em dia é que tem vindo a ganhar mais expressão (o boom foi
há coisa de 2/3 anos). Se perguntar a alguém na área da informática se
já ouviu falar de Linux, o mais provável é responderem-lhe que sim.

A Associação Nacional para o Software Livre ( http://www.ansol.org/ ) é
uma associação sem fins lucrativos criada há alguns meses que vem
colmatar uma lacuna sentida por toda a comunidade de apoiantes e
utilizadores de Software Livre. A ANSOL tem um conjunto de questões que
quer ver debatidas e tratadas nos órgãos políticos competentes. A secção
política da ANSOL pode aceder-se através de
http://www.ansol.org/politica/ , onde pode obter mais algumas
informações. É curioso que agora nos peça informação porque estamos
justamente a elaborar 3 dossiers sobre algumas questões que estão nessa
página e íamo-lo contactar dentro de... dias.

Convém salientar que este movimento tem algum cariz ideológico. Não se
trata apenas de informáticos bons a programar que gostam que os outros
usem o software dele. É um movimento relativamente complexo e com alguns
pontos muito importantes que não se vêem à primeira. Eu pessoalmente uso
GNU/Linux e interesso-me pelo software livre há cerca de 4/5 anos e
ainda há uns meses reparei que havia uns pormenores sobre uma licença
livre que eu ainda não tinha percebido.

Esse cariz ideológico, para uns é o mais importante enquanto que para
outros o mais importante são os méritos técnicos. Isso levou à distinção
(amigável) entre dois movimentos: Software Livre e Opensource. O João
Miguel Neves já referiu mais em pormenor este aspecto. Mas o que
interessa é que estes dois movimentos discordam nalguns princípios, mas
concordam nos fins, o que lhes permite colaborar saudavelmente, para o
bem de todos. De qualquer das maneiras, a não ser que se refira
explicitamente a diferença, os dois movimentos são practicamente o mesmo.

A face mais visível do Software Livre, é sem dúvida o GNU/Linux. Muitas
pessoas chamam-lhe Linux apenas, mas na verdade "Linux" é apenas o
coração dos sistema operativo (kernel). O sistema operativo como um todo
é composto por muitas mais partes que não o kernel e por isso mesmo faz
mais sentido chamar ao sistema operativo GNU/Linux e não somente Linux.
Para uns é um preciosismo dispensável, para outros é uma diferença
importante.

O GNU/Linux é de facto um sistema operativo muito bom. Com capacidades
técnicas que vão desde a flexibilidade que lhe permite correr em
pequenos PDAs, até à "High Performance Computing", computação paralela.
A sua gama de aplicações vai desde o mais vulgar desktop aos estúdios de
efeitos especiais de cinema. Para dar um exemplo, filmes como o Titanic
e Shrek foram desenvolvidos com ajuda do GNU/Linux. É-me difícil pensar
numa área com fraca oferta de aplicações... assim de repente só as
aplicações de gestão "high-end" (low-end existem), e certamente pouco mais.

Tradicionalmente o GNU/Linux foi especialmente indicado para servidores,
mas recentemente (coisa de 2 anos para cá) tem vindo a afirmar-se como
muito capaz no desktop, com aplicações estilo "Office", email, browsers,
Jogos, enfim, tudo o que possamos pensar para um desktop. Pessoalmente
prefiro o GNU/Linux quer em servidores quer no desktop, e não se trata
de paixão, são razões bem concretas.

Note-se contudo, uma coisa: O GNU/Linux é um sistema operativo livre, e
normalmente todas as aplicações para ele criadas são livres, mas tal não
é obrigatório. Nada impede uma empresa de criar um software proprietário
para GNU/Linux, vendê-lo e retirar dinheiro daí. De facto isso acontece
em segmentos do mercado de software muito específicos, onde não há massa
crítica que satisfaça o modelo de desenvolvimento Open-Source. E
naquelas em que há, a rentabilidade de um projecto comercial fica
naturalmente comprometida, uma vez que existem alternativas livres.

Para acabar com as questões técnicas um pequeno resumo, inevitavelmente
incompleto: O GNU/Linux é estável, robusto, escalável (de computadores
fraquinhos a super-computadores), virtualmente imune a vírus, rápido e
leve (permite reaproveitar máquinas obsoletas; um web server num 386,
por exemplo), tem uma rápida resposta aos bugs na medida em que há mais
pessoas com acesso ao código e o desenvolvimento é aberto. Bugs
minimamente graves não mais de poucos dias sem serem corrigidos, e uma
vez que não há borucracias nem vendas, o download pode ser instantâneo.
Pelas mesmas razões, com o Software Livre temos a certeza que não somos
vítimas de abusos de privacidade dos programas que usamos, como o envio
de dados nossos para uma base de dados, coisa que já foi demonstrada
acontecer com muitos programas. Fora os que ainda não foram descobertos.

Para dar um exemplo da facilidade de manutenção do software, para fazer
uma actualização de *todo* o software do meu computador para a versão
mais recente (se existir) basta-me escrever dois comandos. Dando esta
ordem de vez em quando mantém a máquina actualizada e (mais) segura.
Posso ainda automatizar essa acção de modo a que seja executada, por
exemplo, todas os dias. Práctico, não é?

Passemos agora às questões políticas (custo, fiabilidade, independência,
...). As questões que podem justificar a sua inserção na informatização
da Administração Pública ou mesmo outros propósitos. Eu próprio escrevi
um artigo sobre a utilização do GNU/Linux na Administração Pública uma
revista da especialidade, entretanto terminada. Na altura eu era mais
novo e a coisa não ficou tão bem escrita quanto eu queria, mas as ideias
continuam perfeitamente válidas.


Independência

O Software Livre, uma vez que tem um desenvolvimento aberto em que todos
podem participar, não fica dependente da política ou da sorte de uma
empresa em particular. Aliás, pode servir de "ponto de convergência" de
várias empresas. Eu explico: Imaginemos que três médias/grandes empresas
precisavam de um software de uma qualquer área. E existia um software
para isso, mas era proprietário. Ok, diriam uns, pagam-se as licenças e
pronto. Mas, em conjunto os três podem pensar que se se juntarem e
criarem uma equipa comum para a qual canalizam o dinheiro das licenças,
podem ajudar a desenvolver um software livre já existente (para não
terem de partir do zero) que satisfaça as suas necessidades.

Parece-lhe utópico? A SUN, que suporta o desenvolvimento do OpenOffice,
gasta menos dinheiro com a equipa de desenvolvimento do que gastaria em
licenças do MS Office. Sozinha. E ainda beneficia de contribuições do
público em geral para a melhoria do código. Como este há outros exemplos.

Aliás, mesmo em situações em que uma empresa não tem a dimensão da SUN
que lhe permite estratégias deste tipo, o uso de software livre é uma
vantagem competitiva e o seu desenvolvimento muitas vezes rentável.
Veja-se, por exemplo:

http://www.cip.umd.edu/dalle.htm

de um reputado economista. De facto o Software Livre está longe de ser
uma coisa "de esquerda". É, de facto, uma mais-valia no que toca à
competitividade e produtividade.

Custo

Uma das quatro liberdades do software diz-nos que o software é
livremente usável e distribuível. Daí vem que ele está acessível a preço
"de suporte", seja este um cdrom ou o custo do download, ou mesmo custo
zero se nos emprestarem um cdrom.

Se quiséssemos instalar o GNU/Linux na Administração Pública inteira,
faríamos algo como: copiar a distribuição para um servidor na rede que
vamos utilizar, definir que software da distribuição é que vai ser
instalado para cada um dos tipos de máquina, e fazer uma instalação
*automática* de *todos* os computadores. Eu disse "automática" e "todos".

Manutenção

Mais, a manutenção de um parque informático de, suponhamos, 1000
workstations limitar-se-ia (fora problemas técnicos) a ir actualizando
uma cópia. As workstations simplesmente cada vez que se iniciavam, viam
se a versão que estava no servidor era mais recente e se fosse, faziam a
actualização. Os utilizadores nem davam por nada.

Ainda mais: O software estaria constantemente a ser actualizado. Não era
preciso esperar que a empres que faz o sistema operativo
disponibilizasse um "patch" e depois, manualmente aplicá-lo a cada um
dos computadores. Ou ter de dizer aos utilziadores para "irem ao
registry, escolherem a opção tal, depois carregar onde diz "xxx" e abrir
a..." que está-se mesmo a ver que só iria dar bronca.

Fiabilidade

O GNU/Linux em particular, mas o software livre em geral (pelas
características do seu modelo de desenvolvimento) tendem a ser muito
menos propensos a falhas que o software proprietário. Especialmente no
software de servidor as falhas são mesmo muito raras. E quando as há -
voltamos à tal história - corrigem-se em dias. Automaticamente.

Valorização do Conhecimento

O Software Livre por ser "estudável" e modificável, valoriza os reais
conhecimentos de informática do que uma certificação qualquer numa
tecnologia proprietária em que apenas se sabe carregar em botões e
seguir menus. E valorizando estes conhecimentos, é obvio, está-se a
contribuir para o desenvolvimento da competitividade e da qualidade.

Adaptabilidade

Imaginemos que uma empresa está descontente com determinada parte do seu
software que é usado em todas as suas workstations. Se o software for
livre, é modificável e tem o código-fonte acessível. Então, mesmo que
não tenha programadores, pode sempre contratar um (ou uma empresa) para
lhe fazerem essa preciosa modificação. De certeza que lhe sai muito mais
barato que pagar uma nova licença ou um update à empresa que detenha o
desenvolvimento do programa. E assim a alteração/melhoria introduzida
fica também disponível para todos os outros.



Espantado? É normal...


Não o vou massacrar com mais informação desta vez. Fica contudo a
certeza que quando a ANSOL estiver a acabar os dossiers que lhe falei, (
http://www.ansol.org/politica/ ) contactá-lo-emos para que nos possamos
reunir e debater estes e outros assuntos relacionadas de uma forma um
pouco menos... distante.

Espero que me permita a pergunta seguinte: Temos mais possibilidade de
nos reunirmos no Parlamento, num Ministério ou numa Secretaria de Estado?

Entretanto sinta-se livre para visitar o site da ANSOL e visitar o
Gildot ou perguntar-nos aquilo que quiser. Ao fim e ao cabo, estamos cá
para isso! :-)
-- 
Cumprimentos,

Vasco Figueira