[ANSOL-geral]Busca de projectos open-source portugueses...
J M Cerqueira Esteves
jmce arroba artenumerica.com
Wed, 9 Jan 2002 03:40:38 +0000
When government steps aside, it is not as if
nothing takes its place. When government
disappears, it is not as if paradise prevails. It's
not as if private interests have no interests; as
if private interests don't have ends they will then
pursue. To push the anti-government button is not
to teleport us to Eden. When the interests of
government are gone, other interests take their
place. Do we know what those interests are? And are
we so certain they are better?
As we cower, ostrich-like, to avoid making choices,
this convergence is making the choices for us. For
the problems of convergence are not technical. The
technicians will give us anything we want. The
problems of convergence are political --- that we live
in a era when even to say there is a role for
government, or a role for collective choice, is to
open yourself to ridicule.
And so the ridiculous will learn to be silent. And
the technicians will learn to supply what the
invisible hand wants. And we will watch, or at
least some of us will watch, as this tradition of
our liberal past --- this ideal of a commons where
we need not live Oliver Twist-like, ever begging
the powerful for permission to speak --- will pass
into the past.
That, I fear, is our future.
-- Lawrence Lessig, "Code and the Commons"
http://cyber.law.harvard.edu/works/lessig/fordham.pdf
* João Mário Miranda <jmiranda arroba explicacoes.com> [2002-01-08 22:47 +0000]:
> Acho que há aqui uma contradição. Uma das liberdades a que temos
> direito é a de decidir o que fazer com as nossas próprias criações.
A questão central talvez seja porque temos esse direito e até onde
será preferível ir esse direito. Convém lembrar de que direito estamos
a falar. Estamos a falar do direito a limitar o uso do que criamos,
ou seja do direito de um autor a impôr restrições aos outros admitindo
que sem essas restrições o autor é prejudicado. Entre o que o autor
sente como prejuízo próprio e o que o público sente como prejuízo
próprio, torna-se necessário decidir o que uns e outros podem fazer,
quando ambos os interesses colidem. Ao fazê-lo parte-se de algum
sistema de valores que ajude a definir o que é "bom" e "mau" para cada
lado, pesa-se de alguma forma o valor relativo dos impactos sobre as
partes, e atribuem-se direitos a um e outro lado.
O primeiro problema é estar de acordo sobre o sistema de valores na
base, seja com base religiosa ou com base moral de origem difusa
partilhada por uma maioria ou com uma base supostamente científica ou
filosófica ou outra qualquer. Só este já é um assunto "demasiado"
complicado para sequer tentar discutir aqui, mas é natural que a nossa
visão do que devem ser as leis seja influenciada pelos valores que
achamos mais fundamentais.
> Os outros não têm direitos em relação aquilo que alguém produz, a
> não ser que o autor conceda esse direito.
Isso é o que João Mário Miranda acha que está consagrado na(s) lei(s)
(desta e doutras discussões anteriores no Gildot parece por vezes
achá-lo) ou o que o João Mário Miranda gostaria que estivesse
consagrado na lei?
Que eu saiba (e pelo menos por enquanto) o Saramago não me pode
impedir, por exemplo, de ler um livro dele mais de uma vez sem lhe
pagar mais direitos, de o ler numa biblioteca, de emprestar o meu
exemplar a outra pessoa, ou de citar aqui algumas frases.
O Saramago tem alguns direitos mas não *todos* sobre o meu uso
das suas obras.
Em graus variados a legislação sobre direitos de autor terá tido em
conta interesses dos autores (e editores), interesses dos leitores, e
mais em geral o impacto na sociedade do equilíbrio que assim fica
definido. Se se achou necessário definir um equilíbrio deve
ter sido por se perceber que nalgum sistema de valores seria errado
deixar no autor o controle total de todos os aspectos do uso da obra
e que no âmbito desse sistema de valores um certa liberdade de "fair use"
seria importante.
Claro que por razões práticas também não seria factível controlar ao
pormenor todo o uso de um livro, mas os novos suportes digitais trazem
novas possibilidades de controle, e com estas acaba naturalmente por
surgir a avidez de aproveitar as possibilidades técnicas para subir
lucros à custa de formas artificiais de escassez em colisão com o
"fair use" tradicional.
Naturalmente, uma editora, como outras empresas, procura o lucro. Não
o digo com conotação negativa. Não acho errado ganhar dinheiro em
troca de trabalho feito. Trata-se simplesmente de destacar qual é a
coordenada fundamental do ponto de vista da indústria editorial. Em
geral o sistema de valores de uma empresa baseia-se fundamentalmente
não em considerações de "bem" versus "mal" mas na métrica do lucro.
Assim, quando a "indústria" faz lobbying para favorecer um certo
quadro legal, é normal que seja essa a métrica por detrás das leis
propostas. Se não houver esforços de outras partes para equilibrar a
perspectiva por detrás da lei (tendo em conta também outras métricas,
quer se goste de pensar em termos de altruísmos ou de equilíbrios de
egoísmos), o que é natural acabarmos por ter legalmente em termos
editoriais?
- ou uma diminuição explícita dos direitos dos utilizadores
das obras (redução do que é considerado "fair use");
- ou delegação nos autores e editores de novos poderes efectivos para
definir esses direitos caso a caso, por exemplo tornando "sagrados"
os meios tecnológicos de restrição de acesso como aconteceu no caso do DMCA.
Enfrentamos agora não um risco de perdas de direitos dos autores
(excepto talvez face à própria editora e face ao emprego de "fair use"
como utilizadores no seu próprio trabalho) mas sim o risco (aliás,
agora já mais do que risco) de perdas de direitos pelos utilizadores.
Achar que esses direitos são ou não importantes para o utilizador e a
sociedade depende talvez dos sistemas de valores de cada um e mesmo
das teorias económicas que prefere. Para complicar, há as diferenças
de valor entre diferentes obras, se é que se podem medir. Poderá
achar-se que a importância dos "direitos do utilizador" não é a mesma
para:
- uma sequência de ADN humano (considerada como "obra" de quem a encontrou);
- a descrição de um medicamento novo para combater uma doença mortal;
- um algoritmo de compressão;
- uma interface gráfica vistosa para um programa que utiliza esse algoritmo;
- ou um livro do Saramago.
Numa métrica editorial puramente de lucro, a resposta natural é
simples, universal, e foi dada pelo João Miranda: liberdade total por
parte do "criador" para decidir o que pode ser feito com a criação
publicada. Claro que normalmente não se diz de forma crua, honesta e
matemática que é para "maximizar o lucro"; é de boas relações
públicas juntar todos os casos (copyright, patente, ideia vaga num
guardanapo, equação, número inteiro, ...) debaixo de uma designação
"simpática": "PROPRIEDADE INTELECTUAL".
Esta designação "simplifica" as discussões confundindo conceitos
distintos num só, ao mesmo tempo que apela ao respeito tradicional de
muitas sociedades pela propriedade de objectos físicos, tentando
apanhar "boleia" nos sistemas de valores em que baseámos as nossas
leis tradicionais sobre propriedade. A táctica pode resultar no
programa 2010 ou em comunicados à imprensa da Sociedade Portuguesa de
Autores, mas felizmente até a legislação mais favorável aos autores
não levou essa confusão tão simplista às últimas consequências.
E mesmo na nossa sociedade há limites para a propriedade de
"objectos" físicos, nomeadamente quando está em jogo um interesse
maior. Terrenos podem ser expropriados, por exemplo. Será
que muitos dos programas e algoritmos e equações e moléculas
"fabricados" mesmo em tempos mais recentes não têm mais importância
para a humanidade do que o local de passagem de uma auto-estrada?
Note-se no entanto que o João Miranda nào responde apenas no âmbito da
métrica do lucro e do direito incondicional ao lucro com este tipo de
"propriedade". Tratar-se-ia, segundo ele, de fazer aquilo no fim
também tem melhores resultados para a sociedade. E aqui entramos na
questão controversa de qual será a prática com melhores resultados
para a sociedade a vários prazos. Longe de mim achar que conheço
teorias económicas, por isso nem tento discutir a coisa à luz delas.
Apenas posso contribuir uns cêntimos do o meu "feeling" sobre a
questão.
> Se o produto é necessário, se ninguém produz uma versão livre, não
> vejo porque é que o autor não deva ser incentivado a produzir mais.
Esse argumento podia ser usado também, por exemplo, para aumentar
drasticamente os direitos das empresas farmacêuticas sobre os seus
produtos e os seus clientes. Escolham-se 2 ou 3 doenças graves e
pense-se apenas a curto prazo com privilégios excepcionais dados às
empresas. Será que mesmo salvando mais algumas vidas teríamos o
direito de o fazer, pensando a longo prazo? Mesmo com a promessa do
salvamento de vidas a curto prazo, uma decisão com consequências a
longo prazo não seria fácil.
Imaginemos que os autores de software não podiam, por lei, impôr aos
utilizadores restrições além das da GPL. Isso não obriga a que o
produto seja gratuito. Se alguém precisasse mesmo de um produto, e
estivesse disposto a pagar por ele, também o poderia fazer nessa
situação. Não podia ser atraído por possibilidades de restrições
então ilegais, mas a concorrência também não. É bem possível que o
lucro diminuisse. Mas será que o software não seria produzido? Olho
para a realidade GPL do que tenho neste computador, num mundo onde
ninguém é obrigado a usar a GPL, comparo com os problemas da maior parte
do software proprietário que usei e a minha resposta é que sim, seria
produzido e com qualidade tão boa ou melhor.
[A propósito, ainda me lembro que quando comecei a usar software livre foi por
questões de qualidade também; o TeX há uns 13 anos e o gcc (na altura
sobre MS-DOS) há talvez uns 10].
E há naturalmente outra questão, que é a da importância do incentivo
monetário face a outros tipos de incentivo...
> Há muitas maneiras de lurtar contra isso, e negar os direitos aos
> autores não é certamente a estratégia mais inteligente.
Mais uma vez, interessa saber de que direitos se está a falar.
E de vez em quando perceber que também se está a falar de outros
direitos, os do utilizador.
> Ao escolher uma licença não livre, o autor está a exercer um
> poder conquistado com o seu trabalho e está a exercer o seu
No teu ponto de vista, até onde vai o poder sobre os outros que se
conquista com o trabalho? E qual é a fonte que na tua opinião legitima
esse poder? Uma teoria económica? O respeito pela pessoa? O bem da
sociedade? Nota: o autor não é *obrigado* a programar, também.
> livre colapsa, porque ninguém contribuirá por obrigação. É o
> sistema social baseado na dádiva e no reconhecimento da dádiva
> por parte dos outros que faz o sistema funcionar. É isso que
> impede o movimento de cair na Tragédia dos Comuns.
Ou seja: o software livre apenas funciona enquanto existe
paralelamente outro tipo de licença com mais restrições aplicadas aos
utilizadores? Caricaturando:
- Eu uso Linux e ferramentas GNU por alguma birra com a Microsoft e
por reparar que no meio de tanto software caro há uns produtos que consigo
de graça (dádivas) de uns autores porreiraços?
- E os respectivos programadores libertam produtos sob licença GPL para
serem "diferentes" e saltarem à vista na paisagem dominada pelo software
proprietário, quiçá motivados pela vontade de "dar" e ficar famosos
no meio de um mundo egoísta?
- E num mundo só de GPL e afins eu ia achar isto tudo uma treta
e deixaria de reconhecer a (colossal) dádiva do TeX pelo Knuth?
Talvez voltar à máquina de escrever e ao ábaco ou (God forbid) começar a
usar Windows e Word pela (ouch) superioridade técnica?
E o Knuth, deixaria de achar piada à programação?
Nota repetida: ninguém seria *obrigado" a programar, também.
> Em primeiro lugar, tens que provar que há um mal por detrás.
Ou pela frente.
> Parece-me que o negócio de software é um negócio perfeitamente
> legitimo. A ideia que não é, é já uma questão política de fundo
O negócio é legal, e em sentido genérico é legítimo. O problema (o
mal "pela frente") são as restrições impostas aos utilizadores e
outros programadores. Também se faz negócio com software livre.
Podes alegar que os lucros são menores, mas há negócio. Também podes
alegar que o negócio de electrodomésticos não é negócio desde que se
é obrigado a dar um ano de garantia. Olha, um direito (o de não dar garantia)
roubado ao fabricante...
> software é produzido. Acho que é mais fácil unir as pessoas em
> torno do sofware livre do que uni-las em torno de ideias que
> vão contra o seu modo de vida. Ir por este caminho é um erro
> estratégico.
Não se trata de ganhar audiências e ser popular dando-lhes o que quer
que elas queiram. Há quem faça do software livre o seu modo de vida e
ganha-pão, também. Há quem use o softare livre como parte do seu modo de
vida e sinta que as licenças de software dominantes (e algumas das
ideias que defendes) vão, essas sim, contra o seu modo de vida. Ou
também é preciso "unir" a ASSOFT em torno da coisa? E que coisa
restaria no fim para defender? É que não se trata apenas da liberdade
para desenvolver software livre, mas também de defender que essa é
forma mais "decente" de partilhar o software criado. A ASSOFT faz o
trabalho de casa dela. Mal estará a ANSOL se fizer o trabalho de casa
da ASSOFT também...
> Em segundo lugar, estás a apelar à solução errada. Os boicotes
> comerciais por razões sociais raramente resultam porque o ganho
> pessoal em não boicotar excede a fatia individual do ganho social.
> Um fenómeno conhecido pela Tragédia dos Comuns.
Ah, a Tragédia dos Comuns. Para mim a tragédia dos Comuns é outra, e
tem uma face bem vísivel nos aumento dos direitos dos detentores da
chamada "propriedade intelectual" em detrimento dos direitos dos
utilizadores. "Os Comuns não prestam, isto vai lá é com mais
Propriedade Privada" parece ser a receita da moda.
A única tragédia que vejo resulta dessas tentativas de "emparcelamento"
da "propriedade intelectual" limitando a liberdade de usar
e a liberdade de programar (nomeadamente com o problema das patentes
de software). O Lawrence Lessig tem escrito bastante (e de forma
pouco optimista) sobre as duas tragédias, a teorizada pelos
defensores acérrimos de "tudo é propriedade" e a que já se observa
em resultado das acções deles e da complacência de muitos
que prezam sinceramente esses Comuns mas acham que não há problemas
(ou acham que a técnica contornará os problemas que aparecerem).
O domínio público e as licenças de software e documentos livres são,
acho, componentes críticos. Bem mais críticos do que os direitos dos
autores sobre os seus produtos. O João Miranda parece
achar (mas poderá explicar melhor) que direitos de "propriedade"
ilimitados para os autores e editores seriam equilibrados pelo
funcionamento do mercado. A paisagem actual, apesar de esses direitos
nem sequer estarem ao nível do que parece ser o ideal do João, não me
inspira tanto optimismo.
> agradecendo-lhes. A ideia de que o autor é obrigado a optar por uma
> licença livre é perniciosa porque elimina muitas das razões que
> levam os autores a escrever software livre.
Quais razões? Alguém conhece um programador que goste agora de GPL e
deixasse de gostar de programar se fosse obrigado a usar GPL?
> A melhor estratégia para uma organização como a ANSOL passa por
> incentivar e elogiar as empresas, organizações e individuos que
> contribuem para a produção e divulgação do software livre. Passa
> por críticar o uso de fundos públicos para pagar software
> desnecessário. Não passa por atacar os autores que preferem
> licenças proprietárias.
Elogiar quem merece elogios é sempre bom. Por exemplo, o João
Miranda, ao agir de forma que considero contraditória (mas ele
aparentemente não) com a posição dele neste assunto, merece elogios
por produzir e promover a produção de conteúdos livres. Atacar actos,
ideias e leis, é, claro, melhor do que atacar autores. Mas se alguns
autores se sentirem atacados por aquilo que a ANSOL vier a defender
podem sempre apoiar a ASSOFT e a SPA.
E quando se fala de promover o software livre em organismos públicos,
convém não esquecer, também aí, que há algo mais envolvido do que
questões de preço.
TTFN
JM