[ANSOL-geral] Mais um disparate sobre pirataria

Rui Maciel rui.maciel gmail.com
Sábado, 12 de Maio de 2012 - 13:52:29 WEST


On 05/12/2012 12:39 PM, Paula Simoes wrote:
> Esse ponto suscitou-me dúvidas, pelas razões que invocas, mas em
> conversa com outras pessoas chegámos à conclusão que pode ser
> considerado ilegal no sentido em que o uso privado deve referir-se ao
> uso que a pessoa faz.

Não faz diferença. Se o uso for estritamente pessoal e não tenha base 
comercial então o acesso não-autorizado é perfeitamente legítimo, 
independente da tecnologia usada para transferir a obra.


> Se a transferência entre amigos fosse legal, então o P2P de obras não
> autorizado também seria: um amigo é uma pessoa com quem tens uma
> ligação e as novas tecnologias vieram redefinir isto. Tens pessoas
> que não se conhecem pessoalmente, mas consideram-se amigas por causa
> da ligação que têm na web.

O chamado P2P é perfeitamente legal pelas mesmíssimas razões.  Desde que 
seja para uso exclusivamente privado, que o acesso não tenha base 
comercial e a distribuição não cause prejuízos injustificados aos 
interesses legítimos do autor (e note-se que é autor, e não 
distribuidor) então o acesso a obras sem a autorização do detentor dos 
direitos é perfeitamente legítima, quer seja por fotocópias, fotografias 
ou uma forma qualquer de download.  Não é o meio de distribuição que 
torna a reprodução ilegítima.

Ainda há pouco tempo foi noticiado que um tribunal espanhol declarou que 
o chamado p2p era perfeitamente legal pelos mesmos moldes.

http://www.techdirt.com/articles/20100315/0319318561.shtml


> Além disso tens três actos diferentes: reprodução, distribuição e
> disponibilização pública.

A reprodução, como já foi visto, é perfeitamente lícita nos moldes que 
já foram apontados.

Sobre a distribuição, é expresso no artigo 75.º que «É também lícita a 
distribuição dos exemplares licitamente reproduzidos, na medida 
justificada pelo objectivo do acto de reprodução.»  Logo, se o acesso 
para fins exclusivamente pessoais é lícito então a distribuição de obras 
para fins exclusivamente pessoais é igualmente lícita.

E se a disponibilização pública fosse de alguma forma ilícita então 
todas as bibliotecas teriam como função exclusiva a prática de actos 
ilícitos.  E isso não só não se verifica, como também creio que qualquer 
biblioteca tem à disposição dos utentes pelo menos uma fotocopiadora.


> E os artigos que citas apenas indicam a reprodução. Mas a
> transferência entre amigos não é apenas reprodução, quem recebe
> reproduz, mas quem dá, distribui e parece-me ser este último ponto
> ponto que faz disto uma ilegalidade.

O artigo 75.º indica explicitamente que a distribuição para fins lícitos 
é igualmente lícita.

Mesmo se, por hipótese, ela não o fosse então vamos analisar a "vida" de 
uma cópia.  Vamos, para o exemplo, assumir que o detentor dos direitos 
não autoriza que se realize qualquer cópia.

O utilizador A compra um livro.  É uma cópia autorizada, e naturalmente 
lícita.

O utilizador A gostaria de ler o livro no seu computador.  Para isso ele 
digitaliza o livro por um meio qualquer.  Cria assim uma cópia 
não-autorizada, mas na mesma lícita.

O utilizador A faz uma cópia da digitalização do livro para uma memória 
USB.  A cópia é não-autorizada mas lícita.

O utilizador A liga a memória USB a um computador portátil, e copia o 
livro para o seu disco.  A cópia é não autorizada mas lícita.

O utilizador A faz upload da sua cópia do livro para um telemóvel. 
Cria assim mais uma cópia não-autorizadas, mas na mesma lícita.

O utilizador A empresta a memória USB a um amigo, o utilizador B.  O 
utilizador B lê o livro.  Não foi feita nenhuma cópia, e o uso é lícito.

O utilizador B copia o livro para o seu computador.  Cria assim mais uma 
cópia não-autorizada, mas devido ao tipo de uso é na mesma lícita.

O utilizador A manda por email o livro para o utilizador C.  Cria assim 
pelo menos mais uma cópia não-autorizada*.  Devido ao tipo de uso que 
lhe é destinado, é na mesma lícita.  A distribuição é, consequentemente, 
lícita.  Note-se que ao enviar um email, o que se está a fazer é a 
enviar uma cópia para um servidor.  O utilizador C só recebe uma cópia 
se fizer o download dos emails.

*(há clientes e servidores de email que guardam cópias do email algures 
no sistema de ficheiros, o que implica que poderá ter criado uma ou mais 
cópias no servidor de email, bem como uma ou mais cópias locais)

O utilizador C verifica os emails, e faz inadvertidamente o download do 
livro, sem lhe dar uso.  Como tanto o acesso como o uso dado à cópia são 
legítimos, a cópia é legítima, se bem que não-autorizada.

O utilizador C lá se lembra de passar os olhos pelo livro.  O uso é 
legítimo, logo a cópia é legítima.

O utilizador A é cliente de um serviço tipo de armazenamento de dados do 
tipo Dropbox/SugarSync.  Ele envia uma cópia do livro para o seu 
repositório privado, a partir do qual ele consegue aceder à cópia a 
partir do seu computador de secretária, portátil e telemóvel.  Cada 
acesso assume a forma de fazer um download de uma cópia da obra para 
cada sistema.  Cada cópia é legítima.

O utilizador A lembra-se de partilhar a directoria que contém o livro 
com outros utilizadores: D, E e F.  A forma como o livro é distribuído é 
igual ao caso do envio do email.  Logo, são cópias legítimas.

Por algum motivo o utilizador A permite que o público em geral aceda à 
directoria que contém o livro.  Para isso ele não cobra nada, e só 
acidentalmente é que alguém se dá conta do livro.  O único motivo que 
fará com que este caso seja ilegítimo é se for demonstrado que isto 
poderá "causar prejuízo injustificado dos interesses
legítimos do autor".  Sublinhe-se que é do autor, e não do distribuidor.

Se ninguém fizer o download então haverá algum prejuízo?  Se se houver 1 
download?  E se houver 10 ou 100 ou 500?  E será que isto resultaria 
sequer em qualquer prejuízo?  Ou será que a distribuição da obra não 
beneficiaria o autor?  Essa é a questão.

Portanto, analisando a distribuição, constata-se que, de acordo com a 
lei actual, o acesso e distribuição não-autorizada de obras é 
perfeitamente legal e é tudo expressamente legítimo, desde que o acesso 
seja para uso exclusivamente pessoal, a distribuição não seja comercial 
e os interesses do autor não sejam muito prejudicados.


Rui Maciel



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