[ANSOL-geral] João Pedro Pereira neste momento já deve ter emprego nas RP da mico$oft portugal
Rui Maciel
rui.maciel gmail.com
Sábado, 3 de Março de 2012 - 11:33:56 WET
On 03/03/2012 06:15 AM, José Sebrosa wrote:
> On 03/02/2012 10:40 AM, paula simoes wrote:
>> Mas o que é que se passa convosco? Resolveram aderir ao "é cool criticar o Stallman?"
> Pessoalmente, não gostei do que a entrevista mostra do comportamento do
> Stallman. Salvaguardando que a coisa pode estar deturpada pelo que o
> jornalista escreveu ou traduziu, acho o Stallman muito fraco.
>
> Porquê?
>
> Ele está a fazer afirmações que são manifestamente invulgares. Por
> exemplo, dizer que está disposto a esperar 50 anos por melhorias (ainda
> que hipotéticas) em troca da liberdade (da forma como ele a vê) é
> claramente polémico e suscita questões e debates.
Não vejo onde está a polémica disso. As supostas melhorias, conforme
posto pelo entrevistador, vem na forma de instalação de software
proprietário mais recente. Um utilizador não usufrui dessas melhorias
se não instalar esse software proprietário mais recente, e poderá não
usufruir delas e ter de "esperar 50 anos" se não estiver disposto a
instalar esse software proprietário mais recente para as ter. Os
motivos que poderão não levar alguém a fazê-lo serão vários, e tanto
podem incluir motivos técnicos, económicos, da verdadeira utilidade
dessas supostas melhorias e de preocupações legítimas com a liberdade.
A motivação de alguém pode muito bem ser uma mistura de todas essas
motivações.
Sabendo isto, onde está a polémica de não estar disposto a instalar o
software proprietário mais recente? Será que há alguma polémica e será
que somos forçados a sujeitar-nos a uma série de debates se, por
exemplo, um utilizador não estiver disposto a trocar, vá, a sua
instalação de Windows XP por uma do Windows Vista/7/8 ? Será que a
popularidade de algum produto ou serviço são um argumento legítimo e
auto-suficiente para forçar alguém a despender dinheiro nele agora e já,
independente de todos os motivos para não o fazer? Eu não acho que
seja, nem acho que é algo que suscite qualquer questão.
> Ora, uma afirmação
> extraordinária carece duma argumentação extraordinária.
Há aqui alguma confusão. A afirmação que é atribuído a Carl Sagan não é
essa, mas sim algo parecido com:
afirmações extraordinárias exigem provas extraordinárias.
É importante corrigir este lapso, pois esta citação, neste contexto, não
faz sentido. Carl Sagan, quando usou essa expressão, fê-lo para
sublinhar a necessidade de apresentar provas quando se tenta passar uma
hipótese por um facto. Mais precisamente, para demonstrar que os
extraterrestres são reais. Este não é o caso. O argumento que o rms
faz é puramente ideológico, com vista a evitar toda uma série de
consequências nefastas para os interesses pessoais de cada um. É também
um argumento que, mesmo ignorando o foco na defesa da liberdade
individual, não é nada extraordinário. É um argumento de senso comum,
que muitos de nós (e refiro-me a "nós" como pessoas comuns, não os
adeptos do software livre em particular) consideramos todos os dias em
vários contextos e sem nos darmos por isso.
Portanto, ao contrário do caso de Carl Sagan, não se trata de um caso
onde se afirma que existem extraterrestres apesar de não haver qualquer
prova que aponte nesse sentido. Trata-se sim de ideologia e de um
conjunto de valores. O rms refere-se a um conjunto de valores morais,
usados para definir acções éticas compatíveis com uma filosofia. Como
tal, faz tanto sentido exigir que se argumente esses valores como, por
exemplo, exigir que o papa argumente os 10 mandamentos.
Creio que a única afirmação que podemos fazer sobre isto é que era do
interesse da sua causa, como relações públicas, que ele se
disponibilizasse a explicá-la e defendê-la, mesmo se para isso tivesse
de lidar com entrevistadores parciais e talvez com agendas dissimuladas.
> Ele tem
> obrigação de saber isso por experiência própria. E ao ter o papel
> público que tem, deveria (digo eu) lidar com essas situações com mais
> habilidade e classe. Aquilo é que não é nada. Demitir-se de explicar e
> virar as costas ao debate e ao confronto de valores é realmente muito
> fraco. É o exacto oposto do que devia ser.
Não há qualquer problema em ter um jornalista a confrontar um
entrevistado com pontos antagonistas das suas posições, pois é essencial
para a prática da sua função. Contudo, não foi isso que João Pedro
Pereira fez na sua entrevista ao rms. O entrevistador manifestou que
não possuía qualquer intenção de se manter imparcial e assumiu uma
posição antagonista e de confronto com o entrevistado. Não creio que
alguém tenha algo a ganhar nessa situação.
Eu creio que a causa do rms seria melhor servida se ele tolerasse um
pouco abusos desse tipo. Contudo, da mesma forma acho que é necessário
considerar que possíveis benefícios podem ser tidos em continuar um
debate com um entrevistador parcial que controla um canal de comunicação
social e manifesta uma intenção de atacar qualquer posição assumida pelo
entrevistado.
http://en.wikipedia.org/wiki/Card_stacking
> Não comento o trabalho do jornalista. Importa-me pouco se o jornalista
> é bom ou mau. Mas preocupa-me ver que o Stallman não esteve à altura do
> que (eu penso que) se esperaria dele.
Essa afirmação faria sentido se vivêssemos num mundo onde a
objectividade e a imparcialidade fosse exigida aos jornalistas. O mundo
em que vivemos não é assim. Creio até que, no código deontológico do
jornalista de Portugal , as palavras "imparcialidade" e "objectividade"
não são referidas uma única vez. Como tal, somos forçados a aceitar que
há canais de comunicação social que procuram manipular a opinião
pública. Ao ser alvo de cobertura por esses canais de comunicação, não
se pode esperar que essa cobertura seja livre de manipulação, e que a
mensagem de um entrevistado seja transmitida livre de distorção e
manipulação.
Os jornalistas responsáveis por esse tipo de relatos, que contribuem
para a distorção e manipulação da mensagem, são, obviamente, maus
jornalistas. Assim, não se pode esperar que, ao lidar com estes maus
jornalistas, eles pretendam recolher e transmitir a mensagem de um
entrevistado sem a distorcerem e a manipularem. Como consequência, não
se pode esperar que a mensagem que eles irão transmitir, atribuída ao
entrevistado, será a mensagem do entrevistado. Não há essa garantia,
nem nunca poderá haver. E sem essa garantia, qual é o interesse do
entrevistado em continuar com a entrevista? O que é que há a ganhar?
E chamo a atenção para o facto de que nem o direito de resposta é capaz
de compensar qualquer prejuízo que advém de mau jornalismo, em
particular se for um mau jornalismo intencional com o intuito de manter
uma agenda política.
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Rui Maciel
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