Re: [ANSOL-geral] Fwd: texto para grupos parlamentares sobre cópia privada

Rui Maciel rui.maciel gmail.com
Sexta-Feira, 6 de Janeiro de 2012 - 01:04:06 WET


On 01/05/2012 10:14 PM, Nuno J. Silva wrote:
> On 2012-01-05, Rui Maciel wrote:
>
> Sobre a questão indicada em a), creio que a apresentação de
> consequências práticas da passagem desse projecto de lei será mais
> politicamente sensível.  Se alguém disser que esta lei implica a
> criação de um imposto sobre computadores e afins que, para alguns
> produtos, ultrapassará os 30% então com certeza haverá quem ouça.  Se
> se explicar que esse aumento serve para pagar grupos corporativos a
> troco de nada então mais pessoas ouvirão.
> Esta é capaz de ser uma das melhores formas de abordar a questão. Como
> bem disseste nos outros mails, as pessoas vão reparar mais nisto do que
> em alguém que está simplesmente a apontar o problema.
>
> É pena, mas aparentemente com muitas pessoas é assim que a atenção delas
> funciona.

O preço das coisas é algo que influencia directamente todas as pessoas 
que vivem neste país, sobretudo nos dias de hoje.  Com certeza que com 
tanta conversa de crise o que não faltará será gente a ter receio que o 
custo de vida dispare.

O direito ao acesso para uso pessoal de obras sem a autorização dos 
detentores dos direitos também é algo que é do interesse de qualquer 
um.  Todavia, é algo que muita gente desconhece, quer por simplesmente 
nunca ter tido oportunidade de descobrir como por ter sido já sujeita a 
muita propaganda enganosa.  Por isso, um discurso baseado somente na 
defesa de um direito desprezado que muita gente nem sequer saberá que o 
tinha é um tipo de discurso que dificilmente captará apoios.

Mesmo assim, isso não quer dizer que não deverá ser apregoado ou até 
defendido publicamente.  Antes pelo contrário.  Este projecto de lei 
poderá representar uma excelente oportunidade para informar as pessoas 
dos seus direitos.  Mais, poderá ser uma oportunidade única para na 
comunicação social nacional se declarar abertamente que:

a) toda a gente tem o direito de aceder a obras para uso pessoal sem 
autorização dos detentores dos direitos
b) é perfeitamente legal sacar mp3 e afins é perfeitamente legal e 
devidamente protegido por lei,

...como é demonstrado nesta proposta de lei.

Contudo, para o poder transmitir essa mensagem será necessário 
associá-la a algo que realmente interessa ao público, a algo que capta a 
atenção.  Creio que esse algo será nada mais do que o novo imposto sobre 
componentes informáticos, e o aumento brutal e cruel que lhes está 
associado.  Para agarrar a atenção, a constatação que este imposto 
destina-se a conceder um benefício a um grupo corporativo poderoso e 
influente poderá ser eficaz.  Com esta mensagem então já poderá ser 
possível meter o pé proverbial na porta, e a partir daí informar o resto.


>> Sobre a questão b), a demonstração que este projecto de lei terá
>> consequências absurdas levará a que seja mais complicado a sua defesa.
>> Por exemplo, a possibilidade de ter editoras a cobrar taxas sobre
>> componentes de máquinas industriais poderá chamar a atenção a alguém.
> Tendo em conta os vários partidos que puxam tanta vez da razão "dar
> condições às empresas", "incentivar as empresas a investirem", etc,
> passando mesmo pelo "proteger o direito das empresas" que alguns
> partidos usaram ao responder aos inquéritos da ANSOL aquando das várias
> legislativas, era, pelo menos, interessante deixar bem claro que isto
> também vai afectar as empresas.

Neste caso, não se está a dar condições a ninguém.  Está a criar-se uma 
espécie de "jobs for the boys" que premeia um conjunto de empresas 
poderosas por fazer rigorosamente nada.  Esta medida não é mais do que 
entregar de mão beijada uma pilha de massa a uns parasitas amigalhaços 
do poder, tirado directamente dos nossos bolsos.  Se a polémica da 
retirada dos subsídios é politicamente melindrosa, isto poderá ser bem 
pior.

Outro detalhe é que esta medida visa beneficiar um grupo corporativo ao 
prejudicar todo o tecido empresarial do país.  Não só imputa ao sector 
do retalho uma carga burocrática absurda como também introduz aumentos 
da despesa do investimento sem qualquer justificação possível.  Ou seja, 
andam a querer roubar todas as empresas para beneficiar um grupo 
corporativo isolado.  Isso não é incentivo a ninguém, em particular 
quando a medida se traduz num subsídio empresarial a fundo perdido e sem 
qualquer contrapartida.
Portanto, com esta nova lei, as empresas podem ter de pagar um balúrdio 
a organizações que representam um subgrupo de autores para poderem ter o 
equipamento para, por exemplo, controlar aeronaves (talvez a lei até 
taxe a caixa negra?), o exemplo [que já foi dito aqui] das ATM. Se 
calhar a REFER vai ter de pagar à SPA uns 30% dos custos do equipamento 
porque alguém pode vir a usar os computadores de controlo da rede 
ferroviária para copiar um filme. Era fazer alguns exemplos absurdos 
como estes, que são talvez os únicos casos em que não há mesmo a 
escapatória do "mas não há forma de verificar se o utilizador não vai 
usar copiar". Longe já vai o tempo em que o número 2 do artigo 32º da 
Constituição fazia parte do senso comum...


>> Creio que qualquer desses assuntos será mais facilmente acolhido tanto
>> pela gente do grupo de trabalho como pelo cidadão comum.
> Se pode ser difícil convencer alguns grupos de trabalho, devido à sua
> devoção ao "tecido empresarial" em questão, isto pelo menos ia ser mais
> facilmente acolhido pelo cidadão comum, o que sempre torna mais fácil
> tentar meter este assunto debaixo da luz da comunicação social.

Não creio que o objectivo possa ser convencer alguém, no sentido de 
fazê-la ver o outro lado da questão.  O objectivo seria convencer o 
grupo de trabalho que insistir nesta medida seria uma ideia péssima no 
ponto de vista político.  Ou seja, seria fazer com que o apoio a esta 
medida se tornasse tão politicamente nefasta e desastrosa que ninguém 
quereria ver-se associado a esta.  Ao conseguir isso então seria 
possível abandonar o apoio.

Há condições para isso.  Ao conseguir passar a mensagem do imposto sobre 
o Gigabyte e ao explicar às pessoas os aumentos que isto implica, elas 
irão interessar-se e irão querer ouvir mais, e quererão saber quem é o 
responsável por isso.  Se as críticas ganharem tracção na opinião 
pública, talvez seja do interesse do grupo do PSD de aproveitar 
politicamente esta proposta de lei para apontar a vontade do PS de 
aumentar brutalmente os impostos, pior ainda do que o governo pretende 
fazer.

Se isso acontecer então este projecto de lei deixaria de ser uma luta 
pelos direitos de indemnizar alguém pela cópia privada e passaria a ser 
uma arma de arremesso político, que poderá ter um custo negativo para 
quem a propôs.

E sobre o seu acolhimento pelo tecido empresarial, acho que há uma 
associação de retalhistas que também se opõe à medida.  Isso é uma 
demonstração de que esta medida não é acolhida pelas empresas.



Cumprimentos,
Rui Maciel



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