[ANSOL-geral] Re: Digest Ansol-geral, volume 43, assunto 21

Carlos Patrão cpatrao moredata.pt
Quarta-Feira, 20 de Junho de 2007 - 00:10:23 WEST


J M Cerqueira Esteves escreveu:
> Carlos Patrão wrote:
>   
>> Sem querer desvalorizar as questões da educação, eu gostaria de
>> testemunhar que conheço pessoas com muito mais educação que eu, do ponto
>> de vista formal e prático, e que são info-excluidas, ou seja, não têm
>> computador nem ligação à Net,
>>     
>
> E isso, só por si, é um problema?  Essa é que é a info-exclusão?  Ou só
> é um problema se o estado obrigar o cidadão a tratar das relações com o
> estado exclusivamente via Internet, fomentando o sucessor do senhor que
> preenchia os formulários a troco de dinheiro à porta do arquivo de
> identificação por meninos e meninas que preencham formulários na
> Internet a troco de dinheiro nalgum eventual gabinete de "serviços para
> info-excluídos"?
>
>   

Penso que hoje em dia quem não tem acesso a computadores ligados à Net 
está em desigualdade relativamente aos que possuêm esses meios, não é 
apenas uma questão de não poder utilizar o eGov.
> Essa deslocação de serviços --- especialmente quando obrigatória -- para
> a Internet, convirá mais ao cidadão ou à máquina do estado?
>
> Por mais reconhecimento que eu tenha pela Internet (e sempre vontade de
> aconselhar o acesso a quem não o experimentou): quem se está a portar
> "mal" se um cidadão for prejudicado na *relação com o estado* por
> escolher, deliberadamente, não ter computador, não ter acesso à
> Internet, não ter telemóvel, não usar caixas automáticas nos bancos?
> Será esse um mau cidadão, um cidadão em situação "deficiente"?
> Ou será, mais incomodamente para algum do lobbying info-inclusivo,
> apenas um "mau consumidor" a estorvar negócio?
>
> Assim de repente, lembro-me de outras coisas que também me combateram
> "info-exclusão", ainda antes do acesso Internet e nascido numa família
> praticamente sem livros:
> - alguns bons professores (e alguns dos melhores sem terem passado
> por calamitosas "vias de ensino" e formações pedagogistas);
> - a biblioteca, de prateleiras abertas, do Instituto Britânico, e a
> professora de Inglês que um dia lá levou algumas turmas;
> - uma TV pública que até algum teatro ainda passava, até algum
> Shakespeare de vez em quando (sim, podia-se descobrir gostar de
> Shakespeare simplesmente assim) antes de estar completo o carpet bombing
> com concursos em prime time e mais sucedâneos de programação --- do
> "Acontece" ao "2010" ao "Só visto", basicamente o mesmo tipo de
> meta-programa promocional e vazio, apesar das poses mais ou menos
> refinadas: em vez de dar espectáculo, cultura e ciência, faz-se coluna
> social, tráfico de protagonismos das ditas e... publicidade disfarçada;
> - uma rádio um pouco melhor que agora raramente se encontra... fora da
> Internet.
>
>   
>> e algumas até possuêm conhecimentos de
>> informática na optica do utilizador, o que as limita bastante,
>> nomeadamente de se auto-sustentarem,
>>     
>
> ?
>
>   
O facto de não terem acesso a computadores causa-lhes graves problemas 
de operacionalidade, já que são trabalhadores intelectuais.
>> este problema prende-se com o
>> empobrecimento progressivo da nossa classe média.
>>     
>
> ... problema que o chamado combate à info-exclusão resolve como?
>
>   
Dar mais ferramentas e conhecimento às pessoas penso que facilita a tarefa.
> Constou-me que o precoce ensino inglês socraticamente proposto tinha um
> peso educativo irrelevante, embora eu não tenha sabido pormenores.
> Mas ensinar inglês a sério ajudaria o cidadão a saír das fronteiras dos
> 'conteúdos' nacionais, que em mais combate à info-exclusão já numa
> encarnação anterior de ministro o Mariano Gago sdizia ir multiplicar
> (por 10? por 100?) com um ministerial estalar de dedos e dumping de
> subsídios --- frequentemente resumindo-se depois apenas, na face
> publicamente exposta na Internet, a mais folheto institucional, porque
> os goodies de 'conteúdo'  autênticos, mesmo os sustentados pelo estado
> (desde a arte no Museu Nacional de Arte Antiga aos dados cartográficos e
> meteorológicos e até, por muito tempo, à legislação que somos obrigados
> a conhecer) esses não se pode deixar em acesso indiscriminado e com
> licença livre na Internet: há que proteger, para começar, a "propriedade
> intelectual" dos artistas mortos ou receber mais uns trocos para
> alegadamente pagar o funcionamento.  E claro que seria naturalmente
> "chocante" alguém depois lucrar com reutilização de conteúdos públicos
> de licença livre --- o lucro privado com recursos públicos só "fica bem"
> quando em regime de exclusividade ou "parceria de prestígio" acertados
> com a instituição que zela pelos dados e pela respectiva escassez
> artificial, não os divulgando para leitura pública nem com licença de
> reutilização livre nem sem ela.  "Caro cidadão, vá comprar ali na loja
> dos nossos parceiros de prestígio."
>
>   
>>> E os responsáveis estatais pelas decisões do "combate", estão
>>> info-incluídos?
>>>   
>>>       
>> Com esses não me preocupo, porque estão bem na vida.
>>     
>
> Com esses preocupo-me, porque estão bem em cheio na condução da nossa
> vida.  Serem pobres de espírito e/ou de aprendizagem e/ou de ética
> prejudica-nos muito mais do que (por via legítima ou não) serem
> eventualmente ricos de conta bancária.
>
>   
Não me preocupam no que diz respeito à info-exclusão :-)
>> Da minha parte não há qualquer cerimonial, eu preocupo-me genuinamente
>> com os problemas da desigualdade social, a info-exclusão é só uma parte
>> do gigantesco problema de termos 2 milhões de pobres.
>>     
>
> Tendo em conta que os recursos não são infinitos, o dinheiro a cargo do
> estado que é enterrado em e-planos incosequentes em nome da
> info-inclusão, estará a *não* ir para onde em gastos públicos?
> E não será que se confunde boa parte do combate info-inclusão com o
> proverbial "ensinar a pescar" mesmo quando parece mais a oferta de
> sardinhas?
>
>   
Acho que tens alguma razão, esta oferta de portáteis é um pouco isso.
> Educar dava realmente jeito, mas torna-se mais complicado quando:
>
> - quanto aos professores, se confunde o slogan "trabalho igual / salário
> igual" com a interpretação mais frequente de "emprego igual / salário
> igual"; muitos lá vão *trabalhando* mais sem serem por isso mais bem
> remunerados, enquanto vêem o colega despreocupado e que não "chumba" ter
> menos chatices e ganhar o meso (ou mais), mas não me admiro se cada vez
> mais os melhores se fartarem e irem para pastos mais verdes, se conseguirem;
>
> - quanto aos alunos, se confunde "igualdade de oportunidades à partida"
> com "igualdade de sucessos à chegada" alterando a métrica tantas vezes
> quanto necessário para satisfazer pais e alunos iludidos sobre sucesso
> (até ao reality check futuro) e para pintar boa imagem de sucesso da
> máquina educativa.
>
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