[ANSOL-geral] Intervenção do Deputado Carlos Zorrinho - Patentes de Software - Projectos de Resolução Nº 254/IX e 255/IX
Paulo de Carvalho
plc netcabo.pt
Quinta-Feira, 23 de Setembro de 2004 - 19:08:01 WEST
Projectos de Resolução Nº 254/IX e 255/IX
Intervenção do Deputado Carlos Zorrinho
Partido Socialista
Sr. Presidente
Srs. Deputados
A reflexão e o debate suscitados pelos projectos de resolução Nº 254 e
255 hoje em apreciação, só aparentemente têm uma matriz técnica ou
tecnocrática.
Antes pelo contrário, a questão das patentes de software e do uso de
software livre pela Administração Pública, estão no cerne de dois
debates políticos essenciais.
De facto, não se pode dar resposta ponderada e fundamentada ás questões
que neles se colocam, sem tomar antes opções claras de carácter político.
Opções sobre o modelo de globalização económica e as regras de
competitividade e de regulação dos mercados por um lado e opções sobre
as prioridades e conteúdos do serviço público que se pretende oferecer
aos cidadãos, por outro lado. Também a questão crucial da propriedade do
capital intelectual é determinante na temática em análise.
O Projecto de Resolução Nº254/IX manifesta-se contra as patentes de
“Software” na União Europeia, procurando constituir um contributo do
Parlamento português no quadro do Processo de Co-Decisão em curso,
relativo à proposta de directiva comunitária sobre a patenteabilidade da
criação de “Software” inovador.
O contributo proposto traduz-se numa recomendação ao Governo português
para que em sede de Conselho Europeu assuma uma posição clara de recusa
da consagração do princípio de que o “Software” é uma mercadoria
patenteável, corrigindo a posição assumida no Conselho Europeu que
alterou a proposta de directiva aprovada em Setembro de 2003 pelo
Parlamento Europeu.
O processo de co-decisão antes referido tem dado origem a um
interessante e fecundo debate, quer nos órgãos da União Europeia quer na
opinião pública mais atenta.
As Associações que se opõem à formulação da directiva tal como aprovada
pelo Conselho Europeu, alegam que ela pode poderá afectar seriamente a
inovação e a concorrência no sector do “software”, considerando que a
legislação baseada nos direitos de autor que actualmente se aplica à
criação de “software” é suficiente para proteger o sector.
Receios de controlo sobre a vida dos cidadãos europeus e sobre o
exercício das novas liberdades digitais por parte dos detentores das
futuras patentes de “propriedade intelectual” tem sido também expressas.
Importa aqui sublinhar que qualquer limitação à inovação e à
concorrência neste sector é contraditória com a aposta da “Estratégia de
Lisboa”, podendo a União ver a sua opção de usar as tecnologias e os
sistemas de informação como grandes impulsionadores duma estratégia
competitiva ganhadora, ser inviabilizada pelo controlo patenteado de
componentes críticos das novas soluções a implantar.
Registe-se também que segundo o Instituto Português de Propriedade
Industrial não existe em Portugal tradição de registo de patentes de
Software. Sendo assim, a indústria nacional tenderá a ser vítima e não
beneficiária de qualquer legislação restritiva.
Não podemos ao analisar este problema complexo descartar o outro lado da
questão – o da protecção de direitos de quem investe na inovação e na
criação de “software”.
Desse ponto de vista revemo-nos no princípio geral de que a inovação
material ou física deve poder ser patenteável, ao contrário da inovação
imaterial, que mesmo que dê origem a uma aplicação informática, deve ser
protegida pela legislação de direitos de autor, secundando neste domínio
a posição assumida pela Comissão de Assuntos Culturais do Parlamento
Europeu.
É com esta Filosofia que nos associamos à recomendação para que o
Governo português reveja a posição conservadora até agora assumida nesta
questão, ouvindo os profissionais do sector, os criadores de “software”,
as empresas e os utilizadores, e sendo sensível aos seus contributos, na
formulação das posições a tomar em sede de Conselho Europeu.
Sr. Presidente
Srs. Deputados
Questão diversa, mas igualmente oportuna é a que é colocada pelo
Projecto de Resolução nº 255/IX que recomenda ao Governo a tomada de
medidas com vista ao desenvolvimento de “Software” livre em Portugal,
dando particular ênfase ao papel disseminador que o seu uso na
Administração Pública pode assumir, bem como à necessidade de fomentar o
seu ensino e a sua utilização como suporte aos processos educativos.
O “Software” livre é todo e qualquer “software” que permita
simultaneamente a utilização para qualquer fim sem restrições, a
distribuição de cópias, o acesso ao código fonte e o estudo do seu
funcionamento, a adaptação ás necessidades de cada utilizador e a
possibilidade de disponibilizar a terceiros as alterações nele introduzidas.
Fica assim claro que o “Software” Livre, pela sua própria definição, tem
como principais vantagens a transparência e a flexibilidade de
utilização, atribuindo-se ao “Software” proprietário normalmente
vantagens no domínio da fiabilidade e do suporte.
Daqui decorre que a acção proactiva do Estado na promoção do uso de
“software”livre, permite não apenas suportar as suas estratégias de
informatização e e-government com soluções mais flexíveis, transparentes
e modulares, como permite contribuir em simultâneo para gerar massa
crítica que permita criar maiores condições de fiabilidade e suporte
para o seu uso no domínio empresarial e aumentar a equidade na
concorrência entre os diversos operadores no mercado.
A estes impactos positivos, não será aliás alheio o facto da promoção do
uso do “software” livre ser desde já uma opção estratégica em Países
como a Alemanha, a Suiça, a Dinamarca, a Espanha, a China, a Austrália e
o Brasil, merecendo também referências nas estratégias da União
Europeia, nomeadamente no quadro do Plano de Acção e.Europe 2005.
Em Portugal, o Livro Verde sobre a Sociedade da Informação e a Resolução
nº 21/2002 de iniciativa dos Governos do Partido Socialista e o Plano de
Acção para a Sociedade da Informação aprovado em Junho de 2003 pela
actual maioria, denotam uma preocupação acrescida com a
interoperabilidade, a flexibilidade, a segurança e a operacionalidade
dos sistemas de suporte electrónico ao funcionamento dos diferentes
níveis de Administração.
Essas políticas tem permitido um desenvolvimento significativo do uso de
“software livre” em Portugal, como reporta o estudo “Open Source
Software em Portugal” ontem mesmo divulgado pela Associação para a
Promoção e o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (APDSI), cujo
trabalho meritório importa aqui assinalar.
Um consenso alargado tem vindo a ser estabelecido no sentido de que a
adopção progressiva pelo “Software” livre na Administração Pública deve
decorrer duma análise rigorosa das suas vantagens e não de qualquer
imposição normativa.
Importa por isso, neste contexto, desfazer um logro em que o actual
governo parece ter caído com fragor e inoperância, e que a actual moda
discursiva plena de referências de modernidade a soluções de
e-government não desfaz e antes agrava.
A reforma da Administração Pública não se faz com plataformas
informáticas, livres ou proprietárias, por mais sofisticadas que sejam.
Os sistemas e as tecnologias são instrumentais.
Citando um exemplo infelizmente bem actual, não foram os computadores ou
os sistemas que falharam no processo de colocação de professores. Foi a
incompetência política com que foi conduzido o processo de definição do
modelo e de acompanhamento da informatização dos processos.
De facto, não há “software”, livre ou proprietário, que disfarce a
incapacidade de gizar soluções viáveis e positivas para os cidadãos.
Antes pelo contrário, quanto melhor for o suporte, mais evidentes são as
insuficiências técnicas e políticas. É por isso também em nome da
transparência que a aposta no governo com suporte electrónico, aberto e
flexível, faz sentido.
Revemo-nos na filosofia proactiva do projecto de resolução em análise.
Ele sistematiza e propõe o prosseguimento daquilo que foram no essencial
as práticas dos governos do Partido Socialista. Pensamos contudo que os
seus resultados só serão os que se almejam, se existir uma estratégia de
enquadramento, uma visão moderna de Administração Pública, com ideias
claras e flexíveis, cuja implantação levará a uma escolha natural de
cada vez mais “software livre” ou “software” que assuma as
características essenciais de flexibilidade e modularidade do “software
livre”.
No entanto, enquanto os programas continuarem a ser o oráculo cego em
que se confia quando tudo falha, dificilmente haverá coragem para fugir
ao selo de marca das soluções proprietárias típicas, sobretudo pela
oportunidade de desresponsabilização que elas constituem.
Consideramos por isso meritórias as recomendações constantes do projecto
em apreciação, embora seja sobretudo de melhores políticas e de melhor
governação que precisamos.
Melhor “software”, resultante de maior concorrência, transparência e
flexibilidade será uma ajuda preciosa. Mas apenas isso, o que só por si,
no entanto, já vale a pena.
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