[ANSOL-geral] Governo Português encabeça movimento pela censura na Internet

Marcos Marado mindboosternoori gmail.com
Quinta-Feira, 26 de Outubro de 2017 - 22:14:44 WEST


*Governo Português encabeça movimento pela censura na Internet*

/Conselheiro Português foi director-geral da Motion Picture
Association - América Latina/

 Vieram hoje a público documentos que comprovam que os governos de
Portugal, Espanha e França têm tido um papel primordial no que
respeita ao art. 13º. da proposta da reforma Europeia do Direito de
Autor, relativo à introdução de filtros de censura prévia dos
conteúdos que os utilizadores enviam para a rede (filtros de upload).

O conteúdo agora revelado nos documentos é extremamente preocupante.
Portugal, Espanha e França estão a liderar as movimentações que visam
garantir que sejam adoptadas as versões mais radicais da censura de
conteúdos.

Esta proposta de artigo obrigará à instalação de filtros em todas as
plataformas que recebam conteúdos enviados pelos utilizadores. Entre
elas, contam-se plataformas de vídeo (Youtube, Vimeo), blogging
(Wordpress, Blogger, Tumblr), portais de informação (Wikipedia), redes
sociais (Facebook, Twitter), plataformas de partilha de documentos
(Dropbox, Google Drive), partilha de imagens / arte (Flickr,
Instagram, DeviantArt), repositórios de código (Github), secções de
comentários (em sites de jornais), repositórios científicos de acesso
aberto (SSRN) e outros (ResearchGate, Academia), mercados (eBay),
entre muitas outras plataformas que recebam conteúdos enviado pelos
utilizadores.

Os documentos revelam que o Governo Português pretende redefinir a
noção de “comunicação ao público” e acabar com o regime de não
responsabilidade do prestador de serviços constante na Directiva do
Comércio Eletrónico [2000/31/CE], efectivamente responsabilizando
estas plataformas pelos conteúdos que são enviados pelos utilizadores.



Isso parece tudo muito complicado. O que é que isto significa na prática?

Até agora os prestadores de serviços, como por exemplo o Youtube, não
poderiam ser responsabilizados caso os seus utilizadores fizessem o
upload de conteúdos protegidos por direito de autor, desde que, a
partir do momento em que fossem notificados da presença de conteúdos
ilegais, rapidamente os retirassem ou impedissem o acesso. Trata-se de
um regime que, estando muito longe de ser perfeito (a deputada ao
Parlamento Europeu, Julia Reda, elenca vários exemplos de conteúdos
legítimos que foram removidos), ainda assim revela uma certa
ponderação dos interesses em jogo.

Mas o Governo Português acha que isso não é suficiente. A proposta
apresentada impõe a censura prévia de todo o conteúdo enviado pelos
utilizadores, assente numa lógica em que o interesse económico dos
detentores de direitos é suficiente para justificar tal sistema de
censura, estabelecendo-se assim uma autêntica ditadura do direito de
autor.



Quais os problemas desta censura prévia?

1. É uma violação da Liberdade de Expressão.

Não é admissível que o mero interesse económico dos detentores de
direitos – que aliás já é atendido de forma demasiado “eficaz” na
presente legislação – possa fazer com que a liberdade de expressão de
todos os cidadãos seja de tal forma restringida.



2. Vai contra a Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União
Europeia, a Directiva de Comércio Electrónico, a Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia.

O Tribunal de Justiça da União Europeia já se pronunciou [Scarlet
Extended - (C 70/10),Netlog/Sabam (C 360/10)] contra a obrigatoriedade
de monitorização generalizada de conteúdos por parte dos provedores de
serviço.

O estudo de Christina Angelopoulos, do Centre for Intellectual
Property and Information Law (CIPIL) da Universidade de Cambridge,
identifica vários problemas legais fundamentais no artigo proposto.



3. Filtros de censura são cegos, não conseguem distinguir entre
utilizações lícitas e ilícitas.

A lei prevê algumas utilizações livres de conteúdos protegidos por
direitos de autor, isto é, situações em que não é necessário o
consentimento do autor para a utilização do conteúdo. Entre essas
utilizações, a maior parte dos países prevê, por exemplo: a paródia de
uma obra, a citação para crítica, opinião, discussão e investigação
científica, a cópia privada, ilustração para fins de educação e
ensino, entre muitas outras. Portugal, até ao momento, era dado como
um exemplo a seguir no que toca a estas matérias.

Mas um filtro de censura de upload simplesmente não consegue
distinguir entre usos legítimos e ilegítimos. Um vídeo de paródia
musical utiliza exactamente a mesma composição musical que o original,
que parodia. Um ficheiro de instalação de um jogo adquirido legalmente
é rigorosamente igual a uma cópia do mesmo ficheiro adquirida de forma
ilegal. Uma crítica a uma notícia ou uma opinião sobre um livro terá
sempre de usar pelo menos partes da notícia ou do livro.

Como sabemos, bastam alguns segundos para que um vídeo ou música possa
ser identificado, tal como bastará apenas algumas frases para um texto
ser identificado. Tal já é imensamente problemático no sistema actual,
em que constantemente acontecem casos de identificação errada ou
abusiva de conteúdo alegadamente ilegítimo, como mostram os exemplos
acima.



4. Prestadores de serviços não têm perfil para fazer de juízes.

As empresas prestadoras de serviço não têm competência nem
legitimidade para decidir, e muito menos têm qualquer incentivo para
decidir de forma imparcial. Colocadas perante a possibilidade de serem
responsabilizadas pelos conteúdos que os utilizadores enviam, irão
agir de forma preventiva e conservadora, censurando primeiro, e
perguntando depois. Em caso de mínima dúvida, as empresas
colocar-se-ão sempre do lado dos detentores de direitos, não do lado
da liberdade de expressão dos cidadãos, dada a assimetria de poder
existente. Tal já é manifesto no regime actual (ver exemplos acima).



5. É uma solução que não é sequer usada para o combate a conteúdos de
pedofilia ou terrorismo.

Conteúdos de pedofilia ou de terrorismo devem ser removidos quando
detectados. Não há qualquer razão para que os conteúdos protegidos por
direitos de autor não devam seguir a mesma regra.



6. Reforça monopólios existentes, desencorajando o investimento e a
criação de startups, que usem como modelo a publicação de conteúdos
gerados pelos utilizadores. As empresas passam a ser obrigadas a
comprar tecnologia de reconhecimento de conteúdos, aumentando os seus
custos, e podendo ser sempre responsabilizadas pelo que os
utilizadores publicam, como mostram os testemunhos de várias startups.



7. É uma proposta cuja legalidade tem sido questionada por outros
países europeus.



Qual a razão para o Governo Português defender estas medidas?

Esta posição do Governo Português é deveras surpreendente. Portugal
tem uma história de luta contra a censura e de defesa dos direitos dos
cidadãos na legislação de direito de autor, tendo consagrado
praticamente todas as utilizações livres de obras protegidas.



A este novo posicionamento de Portugal poderá não ser alheio o facto
de o novo Conselheiro Técnico na Representação Permanente de Portugal
junto da União Europeia (REPER) ter sido director geral da Motion
Picture Association Latin America.



Sobre a reforma Europeia do Direito de Autor

Os filtros de censura prévia são apenas um dos vários pontos
preocupantes da reforma europeia do Direito de Autor, que não tem sido
devidamente acompanhada em Portugal, pese embora a sua enorme
relevância para a vida dos cidadãos. Outros pontos em discussão
incluem uma “taxa do link”; uma excepção para a prospeção de texto e
dados que não contempla empresas, jornalistas e cidadãos; licenças e
taxas para a utilização para fins de ensino.

Estas revelações surgem numa altura em que se descobriu que a Comissão
Europeia escondeu um estudo que mostra não haver evidências de que os
downloads ilegais tenham impacto nas vendas dos conteúdos, excepto
para filmes lançados muito recentemente, sendo que em alguns casos,
como no de jogos de computador, se demonstra mesmo que ajudam nas
vendas.



Qualquer filtro que proceda à verificação prévia de conteúdos gerados
pelos utilizadores não é aceitável num Estado de Direito. Tais filtros
não respeitam os direitos dos cidadãos e são um ataque à liberdade de
expressão, pelo que o Governo Português deve rever o seu
posicionamento quanto a esta matéria.

A única solução aceitável é a rejeição em absoluto do artigo 13º.



Associação D3 - Defesa dos Direitos Digitais - http://direitosdigitais.pt/

AEL - Associação Ensino Livre - http://ensinolivre.pt/

ANSOL - Associação Nacional para o Software Livre - http://ansol.org/


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Este artigo pode ser lido na web, em https://ansol.org/node/522 .

-- 
Marcos Marado
ANSOL.org



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