[ANSOL-geral] João Pedro Pereira neste momento já deve ter emprego nas RP da mico$oft portugal

Marcos Marado mindboosternoori gmail.com
Domingo, 4 de Março de 2012 - 16:03:50 WET


Boas,

On Sunday 04 March 2012 04:48:28 José Sebrosa wrote:
> On 03/03/2012 11:33 AM, Rui Maciel wrote:
> > On 03/03/2012 06:15 AM, José Sebrosa wrote:
[...]
> >> Pessoalmente, não gostei do que a entrevista mostra do comportamento do
> >> Stallman.  Salvaguardando que a coisa pode estar deturpada pelo que o
> >> jornalista escreveu ou traduziu, acho o Stallman muito fraco.
> >> 
> >> Porquê?
> >> 
> >> Ele está a fazer afirmações que são manifestamente invulgares.  Por
> >> exemplo, dizer que está disposto a esperar 50 anos por melhorias (ainda
> >> que hipotéticas) em troca da liberdade (da forma como ele a vê) é
> >> claramente polémico e suscita questões e debates.
> > 
> > Não vejo onde está a polémica disso.  As supostas melhorias, conforme
> > posto pelo entrevistador, vem na forma de instalação de software
> > proprietário mais recente.  Um utilizador não usufrui dessas melhorias
> > se não instalar esse software proprietário mais recente, e poderá não
> > usufruir delas e ter de "esperar 50 anos" se não estiver disposto a
> > instalar esse software proprietário mais recente para as ter.  Os
> > motivos que poderão não levar alguém a fazê-lo serão vários, e tanto
> > podem incluir motivos técnicos, económicos, da verdadeira utilidade
> > dessas supostas melhorias e de preocupações legítimas com a liberdade.
> > A motivação de alguém pode muito bem ser uma mistura de todas essas
> > motivações.
> 
> A questão é polémica quer queiras quer não.  O facto de não ser para ti
> não significa que não seja para a sociedade.  A polémica define-se ao
> nível da sociedade e não ao nível pessoal, e caracteriza-se por haver um
> grande número de opiniões discordantes.

Vamos por pontos:
* "A questão" aqui referida são, de facto, duas: (1) o dar-se mais importância 
  à liberdade do software do que à comodidade que ele nos traz; (2) se isso é 
  ou não uma "questão polémica".
* Em relação ao "dar mais importância à liberdade que à comodidade", tens em 
  jogo toda uma cadeia de valores. Segundo JPP logo no início da peça, 
  "Richard Stallman [...] software que não seja livre [...] é simplesmente 
  imoral". É o jornalista que o diz - antes da entrevista - e é o jornalista 
  que opta por não perguntar ao Stallman o porquê. Em vez disso - ou a coisa 
  mais parecida com isso: pergunta-lhe porque é que não se pode confiar no 
  software proprietário. Mas, mais tarde, já irritado com o fraco jornalismo a 
  que está a ser sujeito, é Stallman que puxa do tema, para dizer: "Essa 
  pergunta é na verdade um argumento a dizer que devemos valorizar mais a 
  conveniência do que a liberdade. Se é esse o caso, tem o direito a pensar 
  isso, mas então porque estamos a falar?". E é aqui que se centra toda a 
  "polémica da entrevista": temos um jornalista que parte do princípio que a 
  comodidade é mais importante (ter um jornalista como opinião já é irritante 
  q.b.), e que cabe a quem tem outros valores que se justifique "à priori", 
  como se fosse um "vocês que pensam diferente têm de justificar". Repara que 
  isso não é uma atitude de jornalista, é uma atitude pessoal do jornalista. 
  Mas o Stallman aqui ainda está a dar o "benifício da dúvida" (ou a tentar 
  não ser rude), e é também o dar uma hipótese ao jornalista para endireitar a 
  coisa. O jornalista tem aqui ainda uma réstia oportunidade última de fazer a 
  pergunta que podia ter feito logo desde início ("porque defende que a 
  liberdade é mais importante que a comodidade?"), ou meter o rabo entre as 
  pernas por ter metido a pata na poça, e seguir em frente (com o resto das 
  perguntas). Em vez disso, tenta transformar a entrevista num confronto ou 
  num debate: "É sempre possível confrontar valores.". 
* Em relação ao se é ou não uma questão polémica a cadeia de valores do 
  Stallman... não há polémicas em cadeias de valores - cada um tem a sua. O 
  exercício de cada um encontrar a sua ainda deve existir nas aulas de 
  filosofia do secundário: "o que é mais importante, a justiça ou a amizade?". 
  A resposta a um conjunto de confrontos de valores define a pessoa que 
  responde, ao desenhar a sua cadeia de valores, mas valores são prespectivas, 
  não há "confrontos" e "polémicas", certos ou errados.
 
> Além disso, tratamos duma entrevista, em que o objectivo do entrevistado
> é (presumo eu) esclarecer.  Fugir das perguntas daquela forma não cumpre
> o objectivo e é um mau trabalho.  Just my 2 cents...

O Stallman não foge a nenhuma pergunta: nem uma. Aquilo que ele faz é mostrar 
ao entrevistador que ele está ali para uma entrevista. O entrevistador propõe, 
a determinada altura, mudar o âmbito daquele momento: "Não considera a 
hipótese de uma confrontação de valores produzir mudança numa das partes? Não 
estou a dizer que vai mudar. Pode conseguir mudar a outra parte.". Ou seja, 
convida-o para usar o seu tempo para entrevistas para, em vez disso, 
desperdiçar tempo. Não é - para mim - de estranhar que Stallman recuse a 
proposta, e que, quando a "entrevista" está nesse estado, se considere que na 
realidade já não há entrevista nenhuma, que a entrevista acabou.

> Não somos "forçados a sujeitar-nos a uma série de debates", nem
> forçados a ser entrevistados, dar conferências ou ser presidentes da
> FSF.  Mas se o somos, devemos fazer um bom trabalho.  Just my 2 cents...

O Stallman não foi forçado a dar aquela entrevista, mas foi forçado a escolher 
entre trocar a entrevista por um debate, ou dar a entrevista como terminada. 
Acredito que, até para a imagem da FSF, ele tomou a decisão mais sensata. 
Estranho mais a decisão editorial de ter publicado "a entrevista" mesmo assim.

> Outra:  Talvez possas alargar os horizontes na questão de liberdade vs.
> software proprietário ser ou não polémica.  Pensa por exemplo em
> software proprietário de que dependam directamente vidas.  Controladores
> de tráfego aéreo, software especializado para operação de equipamento
> médico, etc..

Não só essa questão não foi feita ao Stallman, como ele de certa forma já a 
responde quando explica que não se pode confiar em software proprietário. Na 
realidade, defendo que software livre é mais importante quão mais importante 
for a aplicação do dito software. É nos controladores de tráfego aério, 
software especializado para operação de equipamento médico, etc., que é mais 
importante ainda usar exclusivamente software livre, pois, como diz o 
Stallman, não se pode confiar no software proprietário, e meter vidas em jogo 
ao optar por software no qual não se pode confiar... 

> Repara que não estou a tomar partido por este ou aquele software.  Estou
> apenas a justificar que a questão é polémica.

Onde está a polémica?

> E repara que estou a justificá-lo a ti.  O RMS tem mais que obrigação de
> saber isto muito bem, e portanto tem mais que obrigação de responder às
> perguntas.  Penso eu, claro está...  Your milleage may vary.

Ele respondeu às perguntas que lhe fizeram e ainda a algumas que não lhe 
fizeram. 

> E o que eu quero dizer é que a afirmação a que coloca a liberdade do
> software como valor absoluto sempre acima do uso de software
> proprietário é polémica, e como tal deve ser debatida, e o RMS tinha
> (IMHO) obrigação de a debater.

O Stallman não foi convidado para um debate, foi convidado para uma 
entrevista.

> > Creio que a única afirmação que podemos fazer sobre isto é que era do
> > interesse da sua causa, como relações públicas, que ele se
> > disponibilizasse a explicá-la e defendê-la, mesmo se para isso tivesse
> > de lidar com entrevistadores parciais e talvez com agendas dissimuladas.
> 
> O (eventual) mau trabalho do jornalista é outro assunto.  Eu estou
> preocupado com 1) o mau trabalho do RMS, e 2) o facto de parecer ser tão
> difícil notá-lo.

Aqui é que há a nossa divergência de opinião: não acredito que possas separar 
a qualidade do trabalho do jornalista com a qualidade do trabalho do RMS. Tal 
como um cozinheiro terá dificuldades em cozinhar quando não tem ingredientes, 
também é difícil a um entrevistado dar uma boa entrevista quando tem um mau 
entrevistador. E quando o entrevistador mostra não ter as capacidades 
necessárias para fazer um bom trabalho, sabes à partida que o resultado será 
um mau trabalho -- e entras em damage control. Se seria melhor (para a imagem 
do RMS e da FSF) que o Público não tivesse publicado nada do que se tivesse 
publicado isto? Provavelmente sim. Se seria melhor que "entrevista" tivesse 
continuado? Não me parece - o resultado ia ser parecido com aquele que 
tivemos, só que em maior.

> >> Ele tem
> >> obrigação de saber isso por experiência própria.  E ao ter o papel
> >> público que tem, deveria (digo eu) lidar com essas situações com mais
> >> habilidade e classe.  Aquilo é que não é nada.  Demitir-se de explicar e
> >> virar as costas ao debate e ao confronto de valores é realmente muito
> >> fraco.  É o exacto oposto do que devia ser.
> > 
> > Não há qualquer problema em ter um jornalista a confrontar um
> > entrevistado com pontos antagonistas das suas posições, pois é essencial
> > para a prática da sua função.  Contudo, não foi isso que João Pedro
> > Pereira fez na sua entrevista ao rms.  O entrevistador manifestou que
> > não possuía qualquer intenção de se manter imparcial e assumiu uma
> > posição antagonista e de confronto com o entrevistado.  Não creio que
> > alguém tenha algo a ganhar nessa situação.
> 
> Não leio isso na entrevista.  Leio isso apenas na defesa que algumas
> pessoas fazem do comportamento do RMS na entrevista.  A entrevista ficou
> a milhas de revelar esse comportamento antagónico que referes.  Ali
> estava apenas a aprofundar um tema polémico, expondo alguns dos factores
> de polémica.  O que aconteceu (na minha leitura) foi que o RMS não
> esteve para ter o trabalho de explicar.  Mau serviço.

As "perguntas" do "entrevistador":
 - "Mas vai-se perder algo no processo de espera."
 - "É sempre possível confrontar valores."
 - "Não considera a hipótese de uma confrontação de valores produzir mudança 
    numa das partes?"

Se isto não é prova de que "o entrevistador manifestou que não possuía 
qualquer intenção de se manter imparcial e assumiu uma posição antagonista e 
de confronto com o entrevistado", então não sei o que mais pode ser... Mas 
concerteza que não é "apenas a aprofundar um tema polémico, expondo alguns dos 
factores de polémica".

> A continuada referência ao jornalista é uma inútil cortina de fumo que
> não disfarça o facto essencial.  E o essencial é:  O RMS fez um mau
> trabalho.

Tu ignoras o papel do jornalista e dizes "O RMS fez um mau trabalho", eu não 
ignoro o papel do jornalista e digo "o RMS fez o melhor trabalho possível". 
Assim, a continuada referência ao jornalista não só não é "uma inútil cortina 
de fumo", mas é parte essencial para analizar o tema. O trabalho de qualquer 
entrevistado está sempre condicionado pelo do entrevistador, pelo que 
classificar o trabalho do entrevistado ignorando o entrevistador dará sempre 
uma classificação potencialmente injusta.

> Se o RMS não é capaz de responder à terceira pergunta sobre as ideias,
> polémicas e cheio de ramificações, que ele defende, então é um
> incompetente em entrevistas.  Se aconteceu apenas desta vez, foi
> incompetente desta vez.

O RMS não mostrou incapacidade em responder a pergunta alguma, mas mostrou a 
inutilidade de tentar fingir que a questão do software livre é importante para 
aqueles que têm uma cadeia de valores em que a Liberdade não figura. Para 
aqueles que dão importância à Liberdade há uma mensagem a passar, para os 
outros haveria, no máximo, o papel de os tentar convencer a ter a Liberdade na 
sua cadeia de valores, mas isso não é o objectivo do Stallman, nem da FSF, e 
seria desperdício de energia a FSF começar a entrar também por aí.

Cumprimentos,
-- 
Marcos Marado



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