[ANSOL-geral] Re: Artigo "Choque Tecnologico"

J M Cerqueira Esteves jmce artenumerica.com
Segunda-Feira, 21 de Fevereiro de 2005 - 18:27:49 WET


Lopo de Almeida wrote:
> A diferença fundamental entre os dois conceitos é que numa estás a patentear a
> mera ideia de programa de email (por exemplo) e na segunda tens de incluir o
> pseudo-código todo.

Onde acaba a região das "ideias" para começar a do "pseudo-código"?
Como seria possível definir a fronteira entre níveis de abstracção?
Se pseudo-código se solicitar, facilmente a linguagem intrincada,
presente mesmo nas patentes mais rasteirinhas, será em pseudo-código
transformada, com aspecto suficientemente intricado para quem ganha o
pão à patente a achar "processo complexo completamente descrito em
pseudo-código" e aprovar.

> Se a discussão se tivesse centrado mais nestes conceitos metade dos
> patentistas já teriam muita dificuldade de angariar apoios politicos.

Admitamos que se arranja uma separação "de bom senso" entre os tais
planos de ideias e código; provavelmente quem já programou tem ideia,
mesmo que vaga, do que poderia ser "de bom senso".  E os políticos e
juristas e juízes (restringindo aqui o assunto aos bem intencionados, já
que para os outros isso seria ainda mais irrelevante) teriam a
preparação necessária para distinguir melhor esses planos do que
distinguiram agora as questões?

> Outra questão importante é, a meu vêr, demonstrar como podem as PMEs
> portuguesas colaborar/integrar neste processo de "Choque".

Deve ser fácil demonstrar que vão entrar, pequenas e grandes, como é
natural uma empresa entrar: tentando aproveitar as oportunidades como
podem, por mais ridícula que seja a ideia de "choque" traduzida nas
encomendas (e mesmo, suspeito, virá a ser pelo menos parte do
"plano-que-não-é-choque").

O que há de mais específico sobre PMEs?  O facto de privilegiar software
livre lhes abrir mais oportunidades, talvez.   O importante de evitar
legislação "encomendada" para estorvar artificialmente concorrendo fora
do mercado, como a das patentes de software, também.  Vigilância
judicial atenta sobre atropelos à concorrência também...  Que mais?
Parcerias estratégicas? Talvez, se alguém conseguir confiar em alguém;
complicado.  Subsídios?  Espero que não, já temos demasiados
ecossistemas daninhos a viver à custa do fluxo deles.

Pessoalmente, e para além do âmbito dos assuntos a que se dedica a ANSOL
(um dos quais, o voto electrónico, está na minha mão e já devia estar
com trabalho escrito pronto a mostrar... enfim, "Real Soon Now" (TM)),
adorava escrever algo sobre como um processo de "Choque" poderá ser, em
larga medida, não só ridículo mas mesmo prejudicial.   O caso particular
sobre que tenho lido e ouvido mais histórias é o do ensino.  Se mais não
se ler sobre o assunto, leia-se o "The Flickering Mind", que devia ser
leitura obrigatória para ministros de educação e de ensino superior e
ciência com "choques tecnológicos" a correr-lhes nas veias
[http://www.booknoise.net/flickeringmind/ ].

Infelizmente não espero que quase nenhuma voz se levante contra o
desperdício de recursos desde a banda larga nos infantários
até ao "software didáctico" que espartilha crianças a apresentações 2d
numa idade em que manipular nem que seja os velhos cubos a 3d é crucial
para elas.   Não espero que haja grande protesto
quando se afirmar como fé inabalável que colocar os miúdos desde cedo
frente ao computador é importante (não, crucial!) para eles "dominarem a
informática e as novas tecnologias".  Ou quando se acabar com outras
actividades nas escolas para injectar mais actividades de informática e
se introduzir métricas de avaliação com distorções à medida para o
resultado ser "SUCESSO".  Ou quando os professores ainda forem mais
desprezados perante as ilusões fosforecentes do e-learning ("que até
permite uma individualização do ritmo e do percurso da aprendizagem,
blah blah blah"). Ou quando os professores que ainda não usam PowerPoint
(ou equivalentes livres, para o caso igualmente maus) forem cada vez
mais constrangidos a um canto como "retrógrados" e "ineficientes",
até porque o colega do lado "ensina" muito mais depressa cortando a aula
aos slidezinhos, depois impressos em grossos volumes a 2x2 por página.
  Idem para o fascínio pelas info-criações das criancinhas, tão
fascinantes por virem em "suporte informático" que se deixará de reparar
quando não passam de medíocres redacções de 6 linhas.

O desejo empresarial natural é o de surfar a onda de info-ilusões dos
governantes, isto se a mesa não tiver sido previamente posta a outros
mais avantajados, caso em que nos restará lutar pelas migalhas
(e quando digo "empresarial", o lado académico também lá cai;
o lado académico também procura o seu natural financiamento,
e nem sempre a "pureza ética e científica" coexiste bem com a recolha de
fundos). É a vida, todos tentamos pelo menos sobreviver.
Mas em conflito com esse há outro "chapéu" para usar quando se está
frente a um poder ignorante sobre tecnologia, e que tem a ver com uma
obrigação ética de avisar sobre o que pode ser calamitoso nestas ideias
de "choque"; no fim do dia, pensando além das oportunidades de curto
prazo, provavelmente calamitoso *até* do ponto de vista do "chapéu
empresarial".

Enfim, só um desabafo, com náusea por alguma tradição (nada restrita a
Portugal) do "choque" e da "excelência" e porque nem sempre a
optimização tecnológica envolve adicionar tecnologia... desde as mesas
de voto às escolas.   Mas vá-se ter lata para dizer isso a um ministro
quando um professor e um aluno frente a um écran de computador dão
sempre uma foto tão... "didáctica" e ficam tão bem no 2010.

TTFN
                                      jm



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