[ANSOL-geral]Ainda os Dogmas

Carlos Baquero Moreno cbm arroba di.uminho.pt
Tue, 22 Jan 2002 23:10:05 +0000 (WET)


On Tue, 22 Jan 2002, J M Cerqueira Esteves wrote:

> Date: Tue, 22 Jan 2002 20:12:07 +0000
> From: J M Cerqueira Esteves <jmce arroba artenumerica.com>
> To: ansol-geral arroba listas.ansol.org
> Subject: Re: [ANSOL-geral]Ainda os Dogmas
>
> > Deve-se ter em conta que há vantagens muitos importantes na manuten=
ção de
> > formatos de dados abertos e que, na minha opinião, é muitas vezes m=
ais grave
> > a existencia de formatos de dados fechados do que a de algoritmos fecha=
dos.
>
> Para formar uma opinião sobre isso, convém notar que formatos de dado=
s
> não são necessariamente entidades ortogonais a algoritmos, pelo menos
> para parte do processamento, já que é para podermos *operar* com os
> dados que precisamos de ter conhecimento dos respectivos formatos...
>
> Talvez se possa exemplificar com a compressão/descompressão de
> dados. Explicar o formato é então pelo menos em parte explicar o
> algoritmo ou talvez UM de vários algoritmos equivalentes.  Admitamos
> que existe um algoritmo equivalente mas com diferença de velocidade
> algumas ordens de grandeza abaixo do original.  Se o autor liberta
> este algoritmo mantendo em segredo o original, pode alegar que está a
> descrever o formato de dados, mas essa descrição até pode acabar po=
r
> não ser relevante na prática.

Em casos extremos pode assim ser, mas mesmo nos casos em que é preciso um
algoritmo para exprimir o formato dos dados, parece-me razoável usar versão
de referência que proteja a implementação mais eficiente.

>
> > Tal deve-se ao facto de os dados serem resultado do esforço de quem u=
sa o
> > producto e o algoritmo ser derivado do esforço do programador.
>
> Uma situação de "protecção" total e simultânea dos dados como e=
sforço do
> utilizador e do algoritmo como esforço do programador também não =
é
> sempre trivial.  De quem *são* os *resultados* do processamento (os
> dados finais)? Do utilizador? Do programador?  Da tua mensagem
> depreendo que, como eu, privilegias o utilizador como proprietário dos
> dados (no sentido que "propriedade" tiver legitimamente em cada caso).
>

É verdade, previlígio institivamente o utilizador. Mas, como dizes mais à
frente pode haver situações em que faz sentido considerar uma grande
participação do autor do algoritmo nos dados finais.

> ...

Tenho contudo pouco ensejo em separar algoritmo fechado de máquina
industrial difícil de desmontar. Máquinas há com essas caracteristicas que
produzem productos optimos e bem acabados a partir matéria bruta informe
(dados de input). Nesses casos o grosso da contribuição está na
maquina/algortimo e não no input. Contudo não sei se é comum o autor da
máquina pedir para cer citado junto ao producto final. Penso que no mundo
fisico a coisa se reflecte no alto custo da máquina, e que tal faz waiving
dos direitos futuros sobre a matéria transformada.

> Passando para uma situação mais familiar: quando usamos um programa d=
e
> manipulação de imagens para transformar um ficheiro PNG em outro
> ficheiro PNG, sentimo-nos bem por o resultado estar num formato livre.
> A condição 2. acima verifica-se: os resultados são livremente
> utilizáveis.  E será que a condição 1 se verifica?  Em boa parte =
dos
> casos, basta olhar para a imagem para termos uma ideia sobre se o
> programa fez, razoavelmente, o que dizia fazer.  O problema pode estar
> nos pormenores.  Imaginem que o autor do programa incluiu código para
> inserir nas imagens produzidas, com recurso a esteganografia, alguma
> informação privada encontrada no disco rígido do utilizador.  Forma=
tos
> livres à entrada e à saída, mas se o código não for livre até=
 que
> ponto podemos verificar se os "nossos" resultados só têm o que
> queremos que tenham?

A conhecimento do formato dá já boas garantias sobre o que lá está escrito.
Mas, é claro, para impedir esteganogtrafia sobre os dados escritos só há
garantias com pelos menos Software Aberto. É por isso que se defende pelo
menos acesso ao código para contextos em que a confidencialidade é critica e
não possa haver risco de canais de fuga.

Já agora, li há uns tempos um artigo sobre canais de fuga de informação por
controle da temporização do output. É possivel obter canais de fuga
regulando finamente a taxa a que se vai produzindo resultados ou a taxa de
resposta a pedidos. O pior é que nem o acesso simples ao código impede
totalmente isto. Pelo que me lembro é preciso uma linguagem com determinadas
propriedades para que os seus algoritmos sejam verificáveis em termos de
fugas dinâmicas.

>
> > Não fiquem daqui a pensar que eu seja a favor de Patentes de Software=
, não é
> > esse o caso, antes pelo contrario.
>
> Para clarificar: és a favor do fim das patentes de software, e
> portanto que deixem de ter força legal?  Em termos legais, ou existem
> ou não...  Qual das opções é melhor para todos? O que temos visto
> acontecer na prática com elas? São um direito inalienável dos autor=
es?

Pelo que tenho visto, na prática as patentes de software têm sido
essencialmente trivialidades. Por mim, quando tenho a sorte de ter um
algoritmo novo quero é publicá-lo e rezar para que gostem dele.
O esforço investido no desenvimento de algoritmos é normalmente tão baixo
que não faz sentido patentear, e é por isso que as patentes e software são
tiviais. Todas as coisas minimamente complicadas estão dispersas por vários
autores que se leram e exprime-se na rede de citações.

Já há outras àreas (Farmaceutica) em que se calhar há equipas a trabalhar anos
em secretismo. Nesses casos se não houver proteção não há investimento.
Mas não é Software.

Na sua origem as patentes seriam um estimulo à divulgação do conhecimento,
para não surgirem as tais caixas pretasi, e protegeriam os criadores que
optasem por divulgar. É por isso que são naturalmente publicas.
Contudo a prática corrente não tem sido nada purista e o proprio sistema é
muito dependente da agilidade dos tribunais para o seu funcionamento.

>
> > Ora é possivel ter Software Aberto não Livre e Software Fechado que=
 mantenham
> > compromissos de respeitar a utilização de formatos abertos para os =
dados por
> > eles geridos. Ora, para mim, é na apropriação dos dados dos outro=
s que
> > reside o maleficio do Software Fechado. Não o facto em si de ele ser
> > fechado.
>
> Admitamos então que o único problema do software fechado é a" aprop=
riação de
> dados", e que esse é um problema importante para o indivíduo e para
> a sociedade como um todo; mesmo assim importaria então colocar as quest=
ões:
> - Será que esse problema de "apropriação de dados" é solúvel no=
 mundo real
>   sem quaisquer limitações legais ao software fechado?
> - Qual é o equilíbrio mais conveniente para os autores e utilizadores
>   entre a liberdade de fechar software e a liberdade de dispôr
>   dos próprios dados, quando elas colidem?
>
> As opiniões podem ser muito variadas, mas qualquer que seja a tua
> talvez não devesses então ficar tão estupefacto que nem todos concl=
uam
> o mesmo, mesmo que partam de considerações parecidas com as tuas:

Ok. Aceito a referência ao estupefacto, não devia ter ficado tanto :).
No que toca às medidas anti apropiação de dados é sem dúvida um tema
complexo. Por exemplo, não me choca nada que empresas sejam burras e
continuem a comprar software que se lhes apropria dos dados. Já acho mal é
que o Estado, cujos dados são nossos, deixe que isso aconteça.

Tal como há campanhas de sensibilização contra o excesso de endividamento
dos particulares, talvez devesse haver campanhas sobre os riscos do sftware
que fecha os dados. Fora de brincadeiras, há aqui uma fronteira complicada
sobre até onde deveria o Estado legislar.


> Em vez de falar de forma simplificada sobre dar *toda* a liberdade
> "contratual" ao criador de um programa (ou toda a liberdade de uso ao
> utilizador), incluindo alguma que não existe agora, convém reflectir
> nos riscos e vantagens, para a sociedade, da legislação que o
> concretizaria.  E sem meter tudo num mesmo saco.  Por exemplo, direitos
> de um programador sobre os resultados gerados por um seu programa: se
> direitos desses puderem ser objecto de contrato e apoiados
> judicialmente, qual será a frequência com que iremos ser afectados po=
r
> eles?  Acabará essa por ser uma componente da maior parte das licença=
s
> de software?  Ou atingir-se-á espontaneamente uma situação de
> equilíbrio onde essa componente tem efeitos globalmente pouco
> significativos?

Ok. É sem duvida complicado ver aqui as coisas com clareza.

>
> Fazer um bom modelo do futuro não é fácil, por isso não admira qu=
e
> mesmo quem apoia o software livre tenha opiniões diferentes.  Vendo o
> ponto a que chegou a situação actual e sem uma perspectiva lírica d=
a
> humanidade, a *minha* opinião (sim, simplificando...) é de que há
> riscos sérios (em boa parte para os próprios autores) em dar aos
> autores e editores ainda *mais* controle do que o actualmente já
> possível sobre o uso (em copyright, licenças e patentes), quer se
> chame a isso "liberdade" do autor ou "poder" do autor para restringir
> a "liberdade de uso" do utilizador.
>
> E quando a *menos* liberdade de controle? Não desgostaria, no mínimo,
> que se voltasse à situação de há alguns anos, provavelmente mais
> equilibrada.
>
> E quanto à hipótese "extrema" de retirar a força *legal* a licenç=
as
> não livres?  Não presumo saber como evoluiria a situação na sequ=
ência
> dessa mudança legal. Mesmo as leis com os ideais mais nobres podem
> ter maus resultados na prática, por isso formar uma opinião clara n=
ão
> é fácil. Provavelmente os lucros de produção de software diminuir=
iam,
> mas não encaro os lucros, por muito úteis que possam ser (nada contra
> eles), como *o* valor fundamental a ter em conta.  Em primeira
> aproximação, apenas posso dizer que o preferiria por comparação c=
om a
> situação actual, porque não me esqueço que neste caso há "dois =
lados" e um
> equilíbrio a manter, mesmo que boa parte dos autores apenas consigam
> lembrar-se do seu papel como autores quando se fala do que produzem.
>
> Mas independentemente do que eu gostaria de ver na lei, nunca gostei
> da imposição de "ideologia" por via legal, especialmente por pressã=
o
> de pequenos grupos e com fixação em lei sem controle democrático,
> mesmo que as intenções sejam nobres; também acho ideal legislar ape=
nas
> quando não há um melhor recurso, e costumo ser desconfiado de certa
> legislação criada para nos "proteger" em questões que não conside=
re
> absolutamente fundamentais.
>
> Assim, idealizando, seria por uma decisão da maioria e com consciênci=
a
> da maioria que eu gostaria de ver um tal quadro legal aparecer, e não
> por um "lobbying de indústria" em pequenos fóruns mal controlados pel=
o
> público: afinal é isso que parece acontecer AGORA com as leis de
> "propriedade intelectual", e mais por uma métrica editorial de lucro
> do que por uma qualquer reclamação dos autores a mais... liberdade e
> do público a mais produtos.  De que lado está afinal o extremismo e a
> limitação de liberdades com base nos interesses de grupos reduzidos?
> Será que em Portugal a ineficácia judicial nos torna insensíveis ao
> possível impacto das novas leis para o utilizador/consumidor, a ponto
> de praticamente considerarmos perigosos fanáticos aqueles que se
> preocupam a sério com a questão?

Ok, partilho as preocupações sobre a tendencia controlista da industria de
branding de productos de autores.

>
> Será que o marketing de entidades como a BSA e a ASSOFT foi
> suficientemente eficaz para nos fazer encarar como "moderadas" as
> respectivas campanhas e actividades por comparação com um qualquer
> "extremismo" do mundo do software livre (que a imprensa mais rasca e
> adepta de folclore gosta de fazer encarnar no Richard Stallman)?

É por causa da difícil imagem que já existe, que se deve ter cuidado, sem
trair os principios básicos, em não propôr coisas extremadas.
Há muito caminho a percorrer até se chegar ao ponto em que as mudanças
mais radicais façam sentido para os outros interlocutores.

Não gostaria que entidades que se quisessem opôr às acções da ANSOL tivessem
a tarefa facilitada por ficarmos rapidamente conotados como extremistas
liricos. Eu só uso Latex e ASCII para escrever mas não me passa pela cabeça
(e a vós tambem não) que os outros tenham de ir por essa via.



Até breve,
Carlos


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Carlos Baquero
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